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Inglaterra em mau momento: da princesa com câncer à camisa da seleção

Numa sucessão de infortúnios, o país espera o retorno da esquerda ao poder, monarquia enfraquecida e sabotagem dos símbolos nacionais

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 Maio 2024, 11h06 - Publicado em 25 mar 2024, 06h41
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  • Num fenômeno que é particularmente forte no mundo anglosaxão, as elites que outrora comandaram impérios hoje devoram a si mesmas com uma voracidade woke que ultrapassa amplamente o necessário olhar crítico sobre o passado.

    Em vez de crítico, esse olhar hoje é autodestrutivo, extremista, insaciável. Vai desde a derrubada de monumentos e o vandalismo de marcos históricos até detalhes que parecem pequenos, como a mudança da cruz de São Jorge na camisa da seleção nacional de futebol que perdeu para o Brasil no sábado.

    A cruz de São George – vermelha, sobre fundo branco – é usada desde Ricardo Coração de Leão, na primeira cruzada, e foi incorporada ao estandarte real em 1348. Obviamente, está ligada ao cristianismo, na época militante e combativo, uma circunstância histórica há muito superada e até revertida: hoje, a Igreja Anglicana está muito perto de pedir perdão não por atitudes coloniais, mas até por sua própria existência.

    É a igreja mais politicamente correta do planeta, talvez um dos motivos para seu encolhimento acelerado. A última iniciativa foi contratar uma equipe para “desconstruir a branquitude”, sob o nome de “unidade de justiça racial”.

    Voltando à cruz. Hoje, ela é coisa do povão, são os pobres que a vestem, empunham e hasteiam quando a seleção nacional vai jogar – em outras categorias, o Reino Unido compete como um todo, com a Union Jack, a bandeira composta três cruzes superpostas: a de São Jorge (Inglaterra e País de Gales), a de São Patrício (Irlanda do Norte) e a de Santo André (Escócia).

    Para as elites woke, a bandeira significa uma superada e até desprezível identidade nacional.

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    “FONTE DE ORGULHO”

    Pois foi exatamente o desejo de fazer piada com os sentimentos nacionais que a Nike resolveu mexer na cruz: colocou-a na parte de trás da gola do uniforme da seleção, em tons de azul, magenta e roxo notavelmente parecidos com os das bandeiras gay e trans. A intenção, alegou, era fazer uma “atualização divertida”. Ninguém que efetivamente usa a bandeira achou graça, mas quem liga para o povão?

    Até ao mexer na amarelinha, e bordar uma frase na camisa da nossa seleção “Brasil para Todos”, incrivelmente parecida com slogans do atual governo, a Nike foi mais discreta e colocou a declaração na parte de dentro.

    A derrapada da Nike com a “atualização” da cruz de São Jorge foi tamanha que até o líder trabalhista, Keir Starmer, reclamou que “não deveríamos mexer” com bandeiras porque são “fonte de orgulho e identidade”.

    Starmer virou uma voz da razão que chegou a definir mulher como um ser adulto do sexo feminino – hoje, uma abominação para a turma woke. Ele tem que limar os extremismos porque está vendo que apresentar uma imagem equilibrada e sem arroubos woke ajuda a consolidar a tremenda vantagem que o Partido Trabalhista tem hoje sobre os conservadores, devorados pelo desgaste de treze anos no poder, o “dever de casa” que cria uma economia anêmica e a incapacidade de abraçar causas da guerra cultural.

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    A mais recente pesquisa dá seguinte resultado: 40% dos votos para os trabalhistas e 19% para os conservadores. Um partido de direita que saiu do nada e nunca disputou eleições, o Reforma, está quase encostando nos tories, como são chamados, criados em 1834, o que lhes dá o posto de partido conservador mais antigo do mundo.

    DERROTA ANUNCIADA

    Rishi Sunak, o primeiro-ministro de pais indianos, tão racional e pouco carismático, coloca uma pá de cal a mais no Partido Conservador cada vez que fala alguma coisa – qualquer coisa. Não é o principal responsável pela desidratação dos tories, mas a falta de entusiasmo pelas causas de direita e a necessidade de consertar a casa desconjuntada pela pandemia, como tantas outras, o transformaram na cara da derrota anunciada.

    Irá Starmer partir para a gastança, como faz parte do modelo em vigor da esquerda? Irá mandar tirar a estátua de Churchill da praça, entre outras maluquices woke que fazem sucesso nessa turma? Irá hastear a bandeira trans no lugar da Union Jack?

    Starmer chegou onde está agora justamente porque seu antecessor, Jeremy Corbyn era de esquerda demais e prejudicava os trabalhistas (entre outras coisas, por antissemitismo, imaginem só), mas não tem jeito de Tony Blair, o primeiro-ministro que renovou não só o Partido Trabalhista tal como todo o reino, numa época que hoje soa espantosamente otimista.

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    Otimismo é o que está faltando em meio a recessão, falta de entusiasmo de investidores para colocar dinheiro na sexta maior economia do mundo e até fatores intangíveis, como a crise na monarquia. A mais sólida instituição nacional, um símbolo incomparável de continuidade, atravessa um momento quase inacreditável em que um rei recente, Charles, está em tratamento de câncer ao mesmo tempo que sua nora, a popular Kate.

    “ESPAÇO COLONIAL”

    A voz quase falhando de emoção da princesa de Gales ao anunciar sua doença, depois de uma espécie de delírio global de piadas, memes e maluquices sobre seu paradeiro, foi um símbolo da fragilidade da monarquia. Mil anos de história podem ser desconstruídos por doenças cruéis, redes sociais enlouquecidas e autofagia de elites que se acham habilitadas a reescrever a história.

    Um exemplo cômico dessa autofagia: uma coalizão de grupos voltados para a preservação das belas paisagens do interior do reino encomendou um estudo que chegou a uma conclusão absurda, a de que o campo “é um espaço colonial branco e racista que afugenta as minorias”. Imaginem só o atrevimento de brancos de terem espaços que refletem sua cultura e sua história.

    Outro: um retrato histórico de Arthur Balfour, político conservador do começo do século XX, foi pichado com spray vermelho e cortado com estilete na Universidade de Cambridge. Conhecido como lorde Balfour, ele anunciou em 1917, como ministro das Relações Exteriores, a “simpatia pelas aspirações sionistas”, incluindo “a criação de um lar nacional para os judeus na Palestina”. Claro que é culpado pela guerra em Gaza, acredita a turma da exterminadora de quadros que retalhou a pintura.

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    Odiar a própria história e só ver – e amplificar – o que tem de ruim é um fenômeno político e social do mundo ocidental, mas tem um especial peso em países que realmente foram impérios ou superpotências, como a Inglaterra e os Estados Unidos. “O caminho da destruição é fácil, rápido e embriagador. O da construção é lento, trabalhoso e aborrecido”, definia Roger Scruton, talvez o último dos intelectuais conservadores.

    “Os ingleses e seus símbolos nacionais são tratados com desprezo por uma elite liberal obcecada por representar qualquer forma de orgulho nacional pela Inglaterra como preconceito”, escreveu Camila Tominey no Telegraph.

    Nem a cruz de São Jorge escapou, à tolice woke e ao talento de Endrick.

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