Cenas inacreditáveis ocorreram em La Paz. Um ministro, Eduardo del Castillo, esmurrou e chutou um tanque, gritando “General!”, referindo-se ao agora ex-comandante do Exército Juan José Zuñiga – sem resposta. O presidente Luis Arce enfrentou na garganta o rebelado. “Recolha a polícia militar de volta ao quartel, general. É uma ordem. Não vai me ouvir?”.
O general que havia dito, em linguagem de caserna, que o “Exército tem ******* para velar sobre o futuro do nosso povo” e impedir que “continuem fazendo o que lhes dá na cabeça”, acabou recuando.
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Faltou apoio, um problema atribuído a falhas logísticas, segundo seu depoimento à polícia. A parte corporal mencionada por Zuñiga também não parece ter tido um papel proeminente.
“As unidades de Viacha demoraram a chegar, também o pessoal da Força Aérea e da Marinha não pode chegar, já que se decidiu que o levante aconteceria na quarta-feira, 26 de junho, às 11 horas”.
Note-se que a Bolívia tem Marinha, mas não tem mar, um assunto de alta sensibilidade num país de tantos recursos naturais, mas agora enfrentando uma queda pronunciada na produção de gás vendido para o Brasil e a Argentina.
“MITÔMANO” E “DEMAGOGO”
Zuñiga tinha comandados para arrombar os portões do Palácio Queimado, esse nome tão característico da era dos golpes contínuos, mas não para levar a aventura até o fim.
A briga, mais do que com o presidente, conhecido universalmente como Lucho, era com Evo Morales, proibido pela Suprema Corte de se candidatar de novo, um detalhe que não o impede de fazer campanha. Ele e Lucho estão em guerra pelo controle do Movimento Para o Socialismo, MAS em espanhol, e, resumidamente, pelo poder.
Morales havia acusado o comandante do Exército de planejar assassiná-lo. Zuñiga reagiu chamando-o de “mitômano”, “demagogo” e “traidor”.
“Está em sua natureza a mentira, o insulto, a traição, a hipocrisia, realmente é um personagem baixo para nosso país. Que pena que tenhamos tido esse tipo de autoridades durante 14 anos”.
Deu choque e ele se rebelou contra a ordem de demissão.
PAÍS POBRE
A era do “milagre boliviano”, comandando justamente por Lucho, que é economista formado na Inglaterra, quando foi presidente do Banco Central e integrou o ministério de Evo, já passou. A Bolívia continua a ser um país pobre, com apenas 3 600 dólares de renda per capita, apesar da distribuição de benefícios durante o boom das commodities.
O golpe fracassado – um lembrete dos 190 levantamentos e revoluções ocorridos desde que o país se tornou independente, em 1825 – foi um intervalo na briga entre Lucho e Evo.
O bolivariano tem liderança para provocar grandes manifestações da população indígena que o vê como um dos seus. Na definição de Zuñiga, sabe como “explorar a inocência das pessoas da área rural”.
“Está sendo gerada uma crise, uma psicose, a população está sendo bombardeada com desinformação, está sendo confundida e atemorizada”, afirmou, usando a terminologia atual para justificar intervenções.
ACABOU A AVENTURA
Agora o general tem que se preocupar com sua própria defesa. Foi mostrado e humilhado com o moletom dos presos, com a palavra “Apreendido” em letras bem grandes.
“O objetivo do senhor Zuñiga era tomar as rédeas do país e estabelecer um regime de força. Os feridos demonstram que não foi um simulacro”, afirmou Del Castillo, o ministro do Governo que chutou o tanque na Praça Murillo.
Ao ser detido, o general confirmou a teoria conspiracionista do “autogolpe”, segundo a qual Lucho pediu para “baixar os blindados na rua”.
Não pode continuar a falar, por interferência do vice-ministro do Interior, que mandou os policiais enfiarem o general numa viatura.
Acabou a aventura golpista, mas a guerra entre Lucho e Evo continua.