A única discussão sobre a eleição de 4 de julho no Reino Unido é sobre o tamanho da maioria que o Partido Trabalhista vai conseguir. Uma das pesquisas mais recentes indica que conseguiria eleger espantosos 453 representantes, contra 115 para o Partido Conservador. É um verdadeiro massacre que abriria as portas para Keir Starmer, o futuro primeiro-ministro trabalhista, fazer, na prática, o que quiser.
E o que quer esse ex-promotor que tem cara, cabelo e óculos de primeiro-ministro, perfeitos a ponto de explorar a masculinidade do maxilar de Clark Kent? (Agora podemos chamá-lo de homem, depois de dizer que concorda com seu antecessor Tony Blair no sentido que “biologicamente, mulher tem vagina e homem tem pênis”.
Foi uma epopeia até chegar nessa conclusão, anunciada obviamente por motivos eleitorais. O máximo que tinha dito antes foi que “99,9% das mulheres têm vagina”.
Keir Starmer, que era da esquerda republicana tradicional, contra a monarquia, mas usa hipocritamente o título de “sir” (é cavaleiro da Ordem de Bath, ou do banho, literalmente, uma referência ao ritual medieval de unção dos escolhidos), por serviços no comando da promotoria pública, quer o mesmo que a esquerda em todo mundo: gastar mais, contratar mais funcionários públicos, diminuir os controles sobre a imigração clandestina e taxar “os ricos”.
RANCOR DE CLASSE
Quer também, obsessivamente, implantar o imposto sobre serviços de 20% para as escolas particulares, uma medida que prometeu tomar no seu primeiro dia de governo. Joga assim, com ressentimentos de classe.
A obsessão com o assunto é tanta que a futura ministra da Economia, Rachel Reeeves, até 2019 fazia parte de um movimento pela pura e simples abolição das escolas particulares, acusando-as de “segregar as crianças de acordo com a riqueza dos pais” e ser um obstáculo à “justiça social”. Uma insanidade pura e simples.
No Reino Unido, a escola pública pode ser muito boa, dependendo da localização e da fiscalização dos pais, mas também pode ser ruim – e, nos centros urbanos, sempre vai ter mais de quarenta alunos por classe. Em quaisquer circunstâncias, persiste um certo rancor classista contra as caríssimas escolas particulares.
O ensino de elite tradicionalmente produziu as classes governantes, substituindo de alguma maneira o direito de herança da aristocracia – lembrando que a única revolução antissistema durou apenas de 1649 a 1660; foi tão ruim que os ingleses preferiram voltar para a monarquia.
AGRADO À ESQUERDA
O próprio Starmer, ou Sir Keir, como dizem os jornalistas britânicos mais cordatos, fez pós-graduação em Oxford, uma das preciosidades nacionais, pelo menos antes de ser tomada pela praga identitária.
Starter alega que, com o imposto extra sobre as escolas particulares – de efeito zero para os efetivamente ricos, mas uma pancada nos pais que fazem um esforço grande para pagá-las -, vai contratar 6 500 professores para a rede pública.
É uma contrafação que já foi desmanchada pelo comentarista Fraser Nelson na Spectator: equivalem a apenas 1,3% dos 530 mil professores atuais. Se as contratações forem espaçadas ao longo de cinco anos, caem para 0,3%.
Starmer faz um agrado à sua esquerda com a questão das escolas, enquanto tenta manter uma imagem de moderação que o ajudou a se projetar. Lembrando que ele se tornou o líder do partido no lugar do ultraesquerdista Jeremy Corbyn, afastado por inúmeras manifestações de antissemitismo.
DECADÊNCIA GERAL
Mas Starmer também não é nenhum Tony Blair, o trabalhista cheio de ideias novas que criou a terceira via, uma social-democracia moderna e aberta ao empreendedorismo e à inovação, únicas alternativas para um antigo império que encolheu, mas continua no páreo em matéria de comércio, finanças, ciências e tecnologia, sendo ainda a sexta maior economia do mundo.
A grande, incomparável vantagem de Starmer é ser do partido de oposição aos conservadores, com seu governo anêmico e descompromissado com os princípios que um dia geraram uma Margaret Thatcher, um líder fraco como Rishi Sunak e a decadência geral do sistema de saúde, entre outros problemas sistêmicos que não podem ser colocados na conta do governo, mas, mesmo assim, são. Quem está no comando tem que responder por tudo, inclusive o que não é de sua responsabilidade.
A equipe que Starmer montou para o governo é desanimadora e propostas como “restaurar a esperança” , “virar a página” e “reconstruir o país” são, resumidamente, ridículas.
Alguém acredita que vai construir 1,5 milhão de casas e criar “bons empregos e aumentar o padrão de vida” só porque assim declaram no programa de governo?
FACA NA MÃO
Keir Starmer quer mesmo é gastar um dinheiro que só pode sair do aumento de impostos. Como os conservadores deram o (mau) exemplo, estão liberados. Vários analistas acham que haverá uma década de trabalhismo no poder. A situação política e econômica no mundo hoje desafia previsões a prazo mais longo, mas a situação hoje é essa.
O futuro primeiro-ministro é pai tardio – tem 61 anos – de um casal de adolescentes tão avessos a aparecer que seus nomes são segredo e não foram ao show da Taylor Swift em Londres com os pais.
Sua mulher, Victoria, trabalha com medicina ocupacional no Serviço Nacional de Saúde que ele pretende salvar. O pai dela é judeu polonês e os filhos são “criados para reconhecer a fé” da parte materna da família, um assunto delicado num partido que tem várias correntes extremamente anti-Israel e promete reconhecer o Estado palestino.
A partir do dia 4 de julho, Sir Keir estará com a faca e os mais de 450 membros da Câmara na mão. Cerca de cem a mais do que os conservadores tiveram e jogaram fora, correndo agora o risco de serem ultrapassados pela direita populista do espertalhão Nigel Farage.
É uma mesquinharia lamentável que a primeira medida que vai tomar seja o aumento do imposto para as escolas particulares, mas esse é o político sem grandeza que se esconde por trás da máscara de Clark Kent. Não é nenhum Super Homem.
E a jaqueta preta que ele usa é da marca francesa Sandro, típica da turma da escola particular, não das massas trabalhadoras. Hipocrisia…