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França lascada: efeito ‘coletes amarelos’ deixa as feras à solta

Greve de caminhoneiros, secundaristas incendiários e movimento para voltar a taxar fortunas criam uma situação infernal para Macron

Por Vilma Gryzinski 6 dez 2018, 09h55
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  • É preciso fazer um certo esforço para não comemorar as diversas maneiras que Emmanuel Macron está quebrando a cara.

    A prepotência do presidente francês, além das ambições de liderança internacional incompatíveis com a realidade, não o tornam uma figura muito simpática. Mas a situação desencadeada a partir da explosão de violência dos “coletes amarelos”, cidadão comuns revoltados com a criação de uma “taxa ecológica” para combustíveis, é prejudicial para toda a França.

    Nem a extinção do imposto, um raro recuo de Macron, serviu para acalmar a situação. Ao contrário, as forças do atraso viram a brecha para voltar a pressionar o governo com exatamente as mesmas reivindicações que atravancam o crescimento econômico de um país notavelmente bem posicionado como a França.

    O maior símbolo desse regressionismo é o Imposto de Solidariedade sobre Fortunas, uma obsessão francesa que Macron eliminou no ano passado. Ele também estabeleceu uma alíquota única de 30% sobre os ganhos de capital. Por causa disso, passou a ser chamado de “presidente dos ricos”, embora a ideia, universalmente aceita pelo liberalismo econômico, seja incrementar os investimentos na economia e, assim, a criação de empregos.

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    Só para fazer uma comparação: o PIB americano está bombando justamente porque Donald Trump conseguiu reduzir a carga fiscal das empresas de 35% para 20%, entre outras medidas de incentivo aos investimentos.

    “Não vou ceder à inveja dos franceses porque esta inveja paralisa o país”, espetou Macron, na época, com certa crueldade – embora expondo com precisão um sentimentos muito arraigado na cultura francesa.. “Meu antecessor taxou os mais ricos e bem sucedidos como nunca antes. E o que aconteceu? Eles foram embora”.

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    “Não podemos criar empregos sem empreendedores.”

    Calcula-se que cerca de 60 mil franceses na faixa atingida pelo ISF deixaram o país desde o ano 2000.

    O imposto sobre fortunas foi criado por François Mitterrand em 1982, com consequências deletérias. Jacques Chirac aboliu-o em 1987, mas a coisa voltou no ano seguinte. François Hollande atingiu o ápice. O imposto tem mais um peso simbólico: em 2016, 351 mil domicílios com renda acima de 1,3 milhão de euros, num total de 5 bilhões de euros – menos de 2% da
    arrecadação francesa.

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    Agora, sob o impacto do furor dos “coletes amarelos”, uma ministra de Macron, Marlène Schiappa, da pasta da igualdade entre homens e mulheres – ah, a França – cogitou publicamente que o ISF poderia ser restabelecido. Foi cortada imediatamente pelo presidente – “enfurecido”, segundo descrição de uma fonte próxima.

    Macron suspendeu e depois cortou de vez a “taxa ecológica” sob o impacto chocante dos atos de violência cometidos pelos “coletes amarelos”, não mais nas estradas regionais onde concentravam seus protestos, mas no coração de Paris.

    Foi um susto tremendo ver o Arco do Triunfo pichado e vandalizado, as avenidas chiques em volta da Étoile cheias de carros queimados, lojas de luxo saqueadas.

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    Nem a Marianne, a figura feminina que representa a república francesa, escapou. A escultura que fica no Arco do Triunfo, o marco zero da vida cívica francesa, foi vandalizada não pelos infiltrados profissionais de sempre, mas por cidadãos comuns que começaram a fazer protestos pacíficos e terminam gritando “revolução” e botando fogo na Champs Elysées.

    Para lembrar: a Marianne já teve os traços de beldades famosas, como Brigitte Bardot, Cathérine Deneuve e a modelo Létitia Casta. “Quebrar a cara” dela, no sentido literal e no simbólico, retrata a típica anomia da turba malta.

    Os “coletes amarelos” têm a simpatia da população e um motivo concreto bem fácil de ser explicado – chega de impostos sobre combustíveis! -, mas a bronca sem controle se volta até contra eles mesmos. Representantes indicados para dialogar com o governo sofreram ameaças de morte. Uma prefeitura do interior foi incendiada no “sábado negro”.

    E no próximo, o que vai acontecer? Os “coletes” dizem que vão continuar protestando e no mesmo centro de Paris. Vão aderir sindicatos ferroviários, caminhoneiros, produtores rurais e, claro, estudantes, especialmente secundaristas contrários às recentes reformas no ensino.

    Parafraseando Mussolini sobre a inocuidade de governar a Itália, seria possível dizer que reformar a França não é difícil, é inútil? Queiram os numes republicanos que não. E que Marianne proteja os pagadores de impostos – aliás, campeões na categoria.

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    Segundo o mais recente relatório da OCDE, a França passou para o primeiro lugar no quesito peso da carga tributária sobre o PIB: 46,2%. Deixou para trás até a Dinamarca. (No Brasil, é de 33,6%. Nem é preciso comparar o que os brasileiros recebem de volta).

    O pior, para os franceses que gostam de ganhar dinheiro e empreender, é que agora nem o Canal da Mancha é a saída mais próxima: o caos sobre o Brexit na Grã-Bretanha não está deixando muitas opções. Se Paris está em chamas, Londres está em transe.

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