Eles poderiam ser chamados de muita coisa – na maioria nada simpáticas. Mas é difícil resistir a retratá-los como o lorde e a lady Macbeth da África.
Ele, aos 93 anos, com uma trajetória que foi do heroísmo à ignomínia, cedeu a todas as tentações durante o longo reinado que foi da luta pela independência à transformação da Rodésia em Zimbábue. Ela, Grace, com quarenta anos a menos, apelidada de Disgrace, louca para tomar o lugar do marido.
Foi sua desgraça, literalmente. Segundo os ingleses, que entendem bem da antiga colônia, a ambiciosíssima primeira-dama se enrascou ao entrar em choque com o vice-presidente, obviamente candidato a substituir o velho Mugabe.
O nome dele é Emmerson Mnangagwa. Apelido: Crocodilo. Foi afastado na semana passada, por artes de Grace, a quem acusou de mandar colocar veneno em seu sorvete – o que elevaria a primeira-dama de lady Macbeth a Agripina.
Crocodilo fugiu do país. Voltou num provável acordo com o comandante do Exército, Constantine Chiwenga. A ver como se acomodam as ambições, já fervilhando diante da idade avançada do velho Bob, que insistia em não morrer nem sair do caminho.
O apego à vida e ao poder transformou Mugabe numa versão maligna de Nelson Mandela. Como ele, lutou pela independência da colônia situada na mesma região do sul da Africa, tão rica em diamantes que seu maior explorador, Cecil Rhodes, deu origem ao nome colonial do país, Rodésia.
Como Mandela – e como estava no espírito do tempo à época –, era marxista-leninista e revolucionário. Curtiu onze anos de prisão, tempo que aproveitou para estudar e conseguir seis diplomas universitários.
Mal os rebelados conseguiram a independência e outra praga africana caiu sobre o Zimbábue: a guerra tribal. Foi a época do Zanu contra o Zapu, siglas quase idênticas com líderes revolucionários inimigos. Mugabe, o vencedor, tinha o apoio da China. Joshua Nkomo, o perdedor, era sustentado pela União Soviética.
Tal como na África do Sul, o fim do império soviético mudou tudo. Mugabe ganhou uma força das potências ocidentais. A guerra civil, com aspectos tribais – a nação shona, de Mugabe, contra os ndebele, de Nkomo – teve os horrores habituais, mas já estava superada. O país, renomeado Zimbábue, tinha terras férteis e agricultores experientes.
Problema: os produtores rurais eram brancos, descendentes dos colonos originais. Mugabe lançou uma campanha de expropriações, invasões e inomináveis brutalidades. A produção agrícola caiu 70%, levando todo o resto junto.
O Zimbábue conseguiu a proeza de retroceder, com uma hiperinflação tão descontrolada que produziu uma nota de 100 bilhões de dólares zimbabuanos. Ou foram 100 trilhões? Em qualquer hipótese, valia praticamente nada. Em 2009, parou de imprimir moeda, passando a usar dólares americanos e outros.
O Zimbábue chegou a ser escolhido como o pior país do mundo para morar pelo Programa de Desenvolvimento da ONU. Cerca de 5 milhões de pessoas fugiram para a África do Sul.
Quando foi promovida de secretária a esposa, uma vez neutralizados os respectivos cônjuges, Grace primeiro se locupletou das torpezas habituais. Viagens de compras a Paris, dois palacetes, festas nababescas.
Colocada com o marido na lista de indesejáveis na União Europeia, transferiu as compras para a Malásia e Hong Kong. Viajava em aviões da Air Zimbabwe cheios de caixotes com dinheiro vivo.
Mais do que a loucura do dinheiro fácil, a do poder, através da manipulação do marido cada vez mais frágil, foi a perdição de Grace. Ela e o marido aparentemente estão em prisão domiciliar.
“Não é um golpe militar”, anunciou um porta-voz do Exército, numa das frases mais usadas por golpistas em todo o mundo. “Só estamos visando criminosos que estão causando sofrimento social e econômico no país. Quando terminarmos nossa missão, esperamos que tudo volte à normalidade.”
Alguém pode acreditar nisso?