“Encontramos indícios graves da suposta existência de uma organização criminosa enquistada no palácio de governo com a finalidade de se apropriar, controlar e direcionar processos de contratações para obter lucros ilícitos”.
Não faz muito tempo, os brasileiros ouviam isso quase todos os dias. Com seis presidentes acusados de corrupção, dos quais os últimos quatro por levar comissões da Odebrecht, o Peru continua ouvindo as dolorosas palavras que parecem indicar que o poder corrompe tudo e a ganância ilícita é um motor irreversível dos que chegam nele.
O sétimo presidente é Pedro Castillo, um professor rural que fez campanha usando um lápis gigante para simbolizar seu compromisso com a educação e, depois de ganhar o primeiro turno na eleição presidencial do ano passado, recebeu a imprensa descalço, no curral, lidando com os animais de sua minúscula propriedade.
A denúncia apresentada contra ele pela procuradora geral, Patricia Benavides, também tem um número sete. Outros seis casos de corrupção estão sendo investigados. A última denúncia envolve dois ex-ministros, um dos quais, o dos Transportes, está foragido. Mais implicados: dois cunhados, dois sobrinhos e a esposa, uma coisa bem familiar, como já aconteceu na Argentina com o casal Kirchner e os filhos.
Além da porcentagem sobre licitações públicas, também há a acusação de cobrança pela nomeação para cargos públicos importantes. Há indícios pesados de que agentes da própria polícia pagavam para ser transferidos para lugares melhores.
“Se o meu sangue tiver que correr pela rua em benefício desse povo, tenho que fazer isso. E se for preciso entregar minha vida, vou fazer isso”, reagiu, dramaticamente, o presidente.
Muitos peruanos desconfiam que ele não fará absolutamente nada disso. Aliás, como tem feito no comando do Executivo: fica trancado no gabinete, fala com pouquíssimas pessoas e demonstra desinteresse por assuntos do governo de forma geral. Já sofreu impeachment, mas escapou da destituição.
“A única coisa que diferencia a corrupção do presidente e seu entorno da corrupção dos grandes partidos é o volume”, disse ao El País a cientista política María Paula Távara. “Castillo não trabalha com a Odebrecht, mas segue as mesmas práticas dos governos regionais e locais de licitação de obras e cobrança de comissão”.
Ela acredita que o despreparo de Castillo é produto de um fato muito simples: ele não esperava ganhar e não se preparou para isso.
É exatamente o oposto, em termos de estilo, do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, universalmente chamado de AMLO.
O populista de modos amáveis passou a vida política inteira querendo ser presidente para colocar em execução o que ambiciosamente chama de Quarta Transformação.
AMLO dá entrevistas diárias à imprensa, fala sobre todos os assuntos imagináveis e não entrou no vermelho como tantos outros líderes latino-americanos, com um índice de popularidade de 56% – encolheu, mas comparativamente é um prodígio.
Agora, é o personagem principal de um livro intitulo O Rei do Dinheiro Vivo, da jornalista Elena Chávez González. Não é apenas um trabalho de reportagem: ela foi casada durante 18 anos com um dos integrantes do círculo íntimo de AMLO. Diz que pode comprovar “como os operadores do presidente conseguiram durante muito tempo bilhões de pesos para obedecer ao chefe e, de passagem, também enfiaram a mão”.
Estas coisas só aparecem porque “estamos indo bem”, respondeu, indiretamente, o presidente.
“Morra a corrupção”, gritou ele diante da multidão que comemorava o feriado nacional mexicano, 15 de setembro.
Oposicionistas fizeram a lista dos “mortos” que haveria em seu governo e até em família, por causa das suspeitas sobre a mansão onde um filho do presidente, José Ramón López Beltrán, morava em Houston, propriedade de uma executiva da petrolífera Baker Hughes. Adivinhem se a empresa fazia negócios com a Pemex, a Petrobras mexicana.
Quando o caso veio à tona, ele se mudou para uma casa comprada pela mulher, Carolyn Adams. Por uma incrível coincidência, ela fez carreira em empresas petrolíferas.
As veias da América Latina continuam abertas. E por elas corre dinheiro ilícito.