Tirando a família real britânica, não existe hoje melhor relações públicas do que Volodymyr Zelensky, um ator que sabe mexer com a emoção das audiências e virou um caso histórico de branding, a capacidade de transmitir uma mensagem independentemente do que diga – a simples imagem do presidente ucraniano com roupas verde oliva já diz tudo sobre um líder em tempos de guerra.
Cercado por assessores dos tempos em que era humorista e tinha uma produtora bem sucedida, inclusive na Rússia, Zelensky cuida muito bem dessa imagem. Quando uma comitiva de altos burocratas da União Europeia foi a Kiev, a equipe encarregada da visita chegou aos mínimos detalhes em matéria de dress code, a etiqueta visual. Foi recomendado que nenhum dos visitantes usasse o verde oliva que virou a marca registrada do presidente.
Correram várias ironias a respeito, da mesma forma que aconteceu quando ele posou para a Vogue num editorial sobre a mulher, Olena – um raro erro, possivelmente provocado pelos irresistíveis eflúvios da vaidade feminina.
Na Europa livre e democrática, Zelensky não é considerado “tão culpado” quanto o xará Vladimir Putin. Baixou até uma ciumeira quase ridícula quando ele apareceu de surpresa em Londres, onde foi tratado a pão de ló: discurso para as duas câmaras do Parlamento, encontro com o rei Charles e visita a forças ucranianas que recebem treinamento na Inglaterra – com o primeiro-ministro Rishi Sunak, o tipo de político que parece ter saído de terno e gravata da barriga da mãe, usando um casaco tipo parka e botas Timberland (nada dos mocassins Prada que tantas críticas provocaram). As roupas eram pretas, para não violar o dress code.
Os franceses exigiram que Zelensky fizesse uma escala fora do roteiro em Paris para aplacar o ataque de ciúmes de Emmanuel Macron, inconformado com o tratamento privilegiado dado à pérfida Albion.
Qual o resultado concreto de tanta badalação?
Ainda há dúvidas. Zelensky está fazendo suas peregrinações para conseguir aviões de combate, mas até os aliados mais comprometidos hesitam.
“Temos consciência do risco potencial de escalada”, desconversou um porta-voz britânico. Tradução: se caças ingleses (ou franceses ou americanos) se envolverem em atos de guerra em território que a Rússia considera seus, o tal “risco potencial” aumenta exponencialmente.
Mesmo que os aviões de combate fossem fornecidos imediatamente, o treinamento de pilotos ucranianos não aconteceria a tempo de interferir na grande ofensiva russa que todo mundo está esperando. Os ucranianos falam num ataque envolvendo até 500 mil homens, 1 800 tanques e 400 caças. A operação representaria em termos numéricos mais do que o dobro da ofensiva original, que completa um ano no próximo dia 24.
A Ucrânia não tem estrutura para enfrentar um ataque dessa envergadura. O paradigma vai mudar. “Os russos não são burros e não são fracos. Quem subestima os russos está marchando para a derrota”, disse no fim do ano o general Oleksander Sirski, o segundo homem na estrutura militar ucraniana.
Não tem operação charme que mude esta realidade e Zelensky sabe muito bem disso, mesmo com momentos emocionantes como os olhos marejados diante do Parlamento Europeu mobilizado pela causa ucraniana. A fortaleza moral, a defesa da própria pátria ameaçada e a flexibilidade operacional demonstradas pelas forças ucranianas são vantagens espetaculares, mas bastarão?
“Como nos romances, aqui os fracos derrotam os fortes pois a justiça de sua causa é infinitamente maior que eles, os supostamente poderosos”, disse ontem o escritor Mario Vargas Llosa ao tomar posse, num caso excepcional para quem escreve em espanhol, de uma cadeira na Academia Francesa.
Como seria bom um final de romance em que a justiça vencesse. Valeria cada libra das 90 mil (mais de 500 mil reais) pagos por um moletom verde oliva de Zelensky que Boris Johnson leiloou para o esforço de guerra.