A maioria das pessoas normais nunca tinha ouvido falar em houthis, o nome de uma tribo do Iêmen que também é usado para designar o movimento que, armado e programado pelo Irã, conseguiu ganhar uma guerra civil terrível, também travada longe dos radares mundiais..
E a maioria das pessoas também reage com uma palavra, “encrenca”, quando vê homens surtados, com camisolão, chinelo e Kalashnikov da mão – as cenas mais comuns que nos chegam do Iêmen.
Pois é encrenca mesmo, e maior do que poderíamos imaginar: os preços do transporte marítimo de carga estão subindo por causa dos ataques dos houthis a navios que passam ao alcance de seus drones ou embarcações simples usadas para sequestrar cargueiros. Se o preço sobe numa região, todas as demais são afetadas, inclusive no Brasil, que está fora da rota do Mar Vermelho, o atalho, desde a abertura do Canal de Suez, para a Europa e o Atlântico Norte.
A revista Economist deu um número impressionante: 80% do comércio mundial em volume, e 50% em valores, é transportado por frota de 105 mil navios porta-contêineres, petroleiros e cargueiros convencionais, desfrutando das garantias de livre navegação que o poder americano sustenta e é do interesse comum de todos.
GUERRA ESQUECIDA
Foi para sustentar essa ordem, da qual todos dependemos, que os Estados Unidos bombardearam bases situadas na parte do Iêmen controlada pelos houthis, usadas para os ataques contra cargueiros como sinal de apoio ao Hamas.
Todo mundo vê a mão nada invisível do Irã por trás desses ataques. Foi o regime teocrático iraniano que salvou os houthis da aniquilação na guerra civil.
Os houthis são xiitas, de uma corrente diferente da que predomina no Irã. Enfrentaram não só os adversários sunitas internos como uma intervenção liderada pela Arábia Saudita. É possível que tenham morrido 150 mil pessoas na guerra em si, mais 200 mil de fome, nessa guerra esquecida entre muçulmanos, motivo pelo qual nunca houve manifestações de protesto em Harvard e outros centros mundiais do progressismo.
Como na Síria, o Irã conseguiu o que parecia impossível e agora tem um aliado, ou um simples satélite, num país miserável e destruído, mas localizado numa posição estratégica, na entrada do Mar Vermelho.
O fanatismo e a radicalização são assustadores. Na semana passada, houve até um exercício simulado em que militares houthis “atacam” uma imitação de kibbutz israelense, reproduzindo a invasão do Hamas em 7 de outubro como um ato valoroso a ser copiado.
ALTO RISCO
A retórica também é beligerante e messiânica. “O Iêmen está pronto para entrar numa batalha de longo prazo que mudará a direção da região e do mundo”, postou um figurão huti, Mohammed Al-Bukhaiti.
Bombas a mais ou a menos realmente não fazem muita diferença num país desértico e devastado, tão atrasado que, estando ao lado da Arábia Saudita, tem poucas e mal exploradas reservas de petróleo, um PIB per capita na faixa de 700 dólares e o seguinte lema: “Morte à América, morte a Israel, maldição para os judeus e vitória para o Islã”.
O risco é que os houthis honrem seus métodos e continuem atacando navios cargueiros. Além de defender a livre navegação, a maior potência do planeta tem que também sustentar sua reputação.
Fontes do próprio governo americano disseram que as duas ondas de ataques atingiram apenas 20% das instalações militares iemenitas. Foram usados mais de 150 mísseis de alta tecnologia, disparados por caças ou a partir de navios.
Joe Biden disse que mandou uma mensagem pessoal ao Irã, frisando que não quer um conflito com o país. O Irã também está escondendo cartas, usando terceirizados como os houthis do Iêmen e os libaneses do Hezbollah para manter Israel dividido entre várias frentes – provavelmente contando com outro confronto total no futuro.
Nem é preciso dizer que é um jogo de alto risco e pode envolver mais do que o preço das mercadorias que circulam por navios – embora estes, em si, já impliquem em perigo para a economia mundial.