Entrar no fogo cruzado de uma campanha presidencial americana não é para espíritos fracos. Só nos últimos dias sucedeu-se o seguinte: uma verdadeira revolta de leitores diante de editoras de moda que pretendiam “vender” Ella Emhoff, enteada da vice e candidata Kamala Harris, como se fosse o suprassumo do chique. Sem atributos físicos e vítima da moda, reagiram leitores com crueldade típica do mundo digital.
Mais pancadaria: o marido da candidata, Douglas Emhoff, teve um caso com uma professora da filha que também trabalhava como babá quando a menina era criança. Do relacionamento, nasceu uma filha desconhecida do público, segundo o tabloide Daily Mail. O primeiro casamento de Emhoff acabou por causa disso.
Preocupações em preservar a mulher envolvida, Najen Naylor, e a suposta filha, Brook, sem absolutamente nada a ver com Kamala Harris, que só muito tempo depois conheceria Emhoff e se casaria com ele? Nenhuma.
Doug Emhoff admitiu que ele e a primeira mulher, Kirsten, passaram por “momentos difíceis devido a meus atos; assumi a responsabilidade”. E a filha, que hoje seria adolescente? Não se sabe ainda o que aconteceu com ela.
Envolver parentes não é nenhuma novidade. Melania Trump chegou a ser chamada de garota de programa – e ganhou um processo do mesmo Daily Mail.
No momento, os maiores alvos de toda a mídia que não seja a Fox são o candidato a vice de Donald Trump, J D Vence e sua mulher. Inteligente e ferino, ele está pagando por comentários sarcásticos do passado, agora desenterrados. Num deles, fala que mulheres sem filhos acabam se cercando de gatos e não têm um interesse real no mundo que deixarão para gerações futuras.
A RAINHA VIRGEM
Vence estava sendo irônico, um perigo no mundo da política: o público não costuma entender ironias. Também não é nada católico, em especial para alguém que estudou a religião para abraçá-la já adulto, ignorar que muitas mulheres não têm filhos porque não conseguiram engravidar, geralmente por já terem passado do pico da idade reprodutiva.
E uma das grandes vantagens do mundo contemporâneo é uma mulher poder decidir se quer ou não ter filhos. Nessa última categoria entram a própria Kamala Harris, Angela Merkel, a ex-primeira-ministra Theresa May e, brilhando até hoje, através dos séculos, a primeira rainha Elizabeth, a Rainha Virgem (na fama, não na realidade) que foi vital para transformar a Inglaterra em potência – e por pouco os piratas a seu serviço não pegaram um naco do Nordeste brasileiro.
A campanha em massa contra Vence também partiu para o ataque contra sua mulher, a advogada Usha Chilukuri. Sem jamais declarar isso, muitos veículos querem dar destaque ao fato de que ela é de origem indiana, como se isso afetasse a postura dos republicanos em relação a controles mais rígidos da imigração clandestina.
E o que há contra Usha? Aparentemente, ela não gostava de Trump (o marido também era antitrumpista). “Colegas” apareceram falando isso, detonando-a em entrevistas. Alguma coisa comprometedora? Absolutamente nada.
“ESTADO PROFUNDO”
Já a nova acusação contra Trump é muito mais pesada. O jornal Washington Post disse que ele recebeu dez milhões de dólares do Egito, uma ditadura comandada pelo general Abdel Fatah Al-Sissi, apenas cinco dias antes da posse, em 2017. O dinheiro foi sacado do Banco Nacional do Egito, diz o Post, e colocado em notas de 100 dólares em dois sacos.
É óbvio que as fontes do jornal só podem ser da CIA e o Post deve ter garantias muito grandes para sustentar que o ex-presidente e atual candidato cometeu um crime dessa natureza, o que o tornaria um agente não declarado de interesses egípcios.
Ou talvez não seja tão bem embasado assim? O Post e o New York Times estiveram na linha de frente das reportagens associando falsamente Trump ao governo de Vladimir Putin. Também mentiram sobre o conteúdo comprometedor do computador desviado de Hunter Biden, o filho problema do atual presidente.
Novas reportagens devem dar outros detalhes e responder ao porta-voz de Trump, Steven Cheung, que lembrou investigações nada conclusivas já feitas sobre o caso, o qual ele atribui a trotes ou à atuação maligna de agentes do “Estado Profundo”, a máquina permanente da burocracia cujo ódio a Trump é amplamente conhecido.
É errado publicar reportagens sem fontes incontestáveis – ainda precisaremos ver como o Post banca as informações – no meio de uma campanha excepcional, com o presidente e candidato democrata tendo sido obrigado a desistir para Kamala Harris tomar seu lugar, a apenas quatro meses da eleição?
Saberemos brevemente.
CONTRATO DE MODELO
É indubitavelmente errado procurar atingir familiares que não tenham conduta comprometedora. Ironicamente, as atenções sobre a enteada de Kamala foram aumentadas por editoras de moda que pretenderam apresentá-la como o ápice da elegância moderna e promover sua madrasta, a candidata democrata.
Muitos leitores ficaram sabendo assim que ela tem contrato de modelo com a superagência IMG (Gisele, Gigi Hadid), embora não tenha cara, cabelo, pele, quadris, pernas e porte de modelo.
É uma “nepo baby”, concluíram muitos, uma cria do nepotismo nas altas esferas, contratada apenas por ser enteada de quem é. Também houve uma grande reação negativa a seu estilo de estudante de moda (ela fez a Parsons School), tão empenhados em ser modernos, cool e originais que acabam ficando ridículos.
Comentários cruéis a chamaram de feia, uma maldade desnecessária que terá efeito zero sobre a campanha.
A qual está, no momento, na seguinte situação: pela média de dez das mais confiáveis pesquisas, segundo o RealClearPolitics, Trump tem 47,7%, contra 46,5% para Kamala.Uma pesquisa do Wall Street Journal dá um resultado invertido: 48,4% para Kamala e 47,5% para Trump. Até a busca de um vice para Kamala vira um assunto de importância desproporcional.
Uma coisa é garantida: a pancadaria, acima ou abaixo da linha da cintura, vai aumentar muito.