“Estamos casados, Javier e eu. Já estamos casados entre nós, entre Deus e nós. Vai ser para toda a vida, é para toda a vida”. As palavras são típicas de adolescentes arrebatadas pelo delicioso delírio da paixão. Mas foram ditas por uma mulher de 64 anos, com ampla experiência de vida, Yuyito González, apresentadora que se tornou evangélica e abandonou a vida de vedete. É uma figura conhecida no mundo das celebridades argentinas, mas nada se compara à fama propelida pelo início de namoro com Javier Milei, assumido publicamente e descrito por ela como um casamento.
É claro que os argentinos estão fascinados, inclusive por causa do preconceito manifestado no inferno das redes sociais em razão da diferença de idade: Milei tem 53 anos e Yuyito (pronuncia-se Jujito), 64. Uma incrível combinação de bênçãos genéticas e intervenções cosméticas faz com que pareça muito menos, mas todo mundo conhece as críticas ao relacionamento de homens mais novos com mulheres mais velhas – Emmanuel e Brigitte Macron vivem isso desde quando ela era professora de teatro do jovem adolescente com quem iniciou uma história de amor capaz de passar por cima de todos os obstáculos, sem contar os boatos.
O interesse é maior ainda porque é um caso raro de homem heterossexual que nunca se casou, tem os conhecidos laços afetivos com seus cães e a presença feminina mais permanente em sua vida é a irmã, Karina. Muito disso se deve à infância em que ele era constantemente agredido pelo pai e sofria bullying da própria mãe, tendo em Karina a única protetora.
Mas é claro que todo mundo especula sobre a vida afetiva do presidente – não existe ser humano, em nenhum lugar do planeta, que resista a isso. Os inimigos, que são muitos, acham que é tudo armação, desde o namoro com a atriz e comediante Fátima Flórez, encerrado com um tuíte quando ela o acompanhava a uma viagem a Miami, e agora Yuyito. Outros fazem as insinuações de praxe sobre adultos solteiros.
DA FAMA À FÉ
Para quem assiste de fora, sem os amores e os rancores que Milei provoca, o presidente parece apenas um homem atraído por loiras curvilíneas, o que não chega a ser exatamente uma exceção. Talvez ele goste também das atenções que elas provocam? Para quem construiu uma carreira que levou à Casa Rosada com um celular na mão e muitos tuítes na cabeça, também não chega a espantar.
Yuyito, nascida Amalia Josefina Trombetta, é uma mulher que ocupou a imaginação de muitos argentinos mais velhos quando desfilava o corpo impressionante no teatro de revista, no tempo em que existiam as últimas vedetes. Numa conjuminação típica, ela chegou a ter um caso com outro presidente, Carlos Menem, muito admirado por Milei. Embora o negue, a filha do presidente falecido, Zulemita Menem, disse que “com o perdão do presidente, o pontapé inicial sempre quem deu foi papai”.
Mas a época dos shows é um tempo que Yuyito deixou para trás em 2005, quando estava numa crise existencial, desmotivada pelo trabalho no teatro, e recebeu “através de uma mulher a Palavra de Deus, o Evangelho. Provocou em mim uma sedução tão impressionante que renunciei ao teatro e a tudo o que vinha fazendo”.
A enorme transformação, “da Playboy para a Bíblica”, não significa que ela deixou de ser uma mulher sedutora ou passou a usar roupas sem graça – talvez tenha simplesmente passado a não tirar a roupa. Escreveu até um livro, Da Fama à Fé, explicando muito articuladamentes sua experiência numa igreja evangélica batista.
“UMA POR SEMANA”
A paixonite de Milei e Yuyito, que se tratam por “AMOR”, em caixa alta, parece até ingênua, mesmo que tenha algo ou mais do que algo de publicidade, diante do contínuo fluxo de amantes que estão vindo a público desde que Fabíola Yuñez abriu os trabalhos, com fotos, da acusação por agressões reiteradas do antecessor de Milei, Alberto Fernández.
São todas mulheres jovens e lindas, na maioria jornalistas (teve também uma ex-BBB, claro). Já foram levantados 26 nomes, mas pessoas ligadas à administração palaciana na época de Fernández dizem que a lista é desatualizada, pois era “uma por semana”.
“As mulheres se apaixonavam por esse gordinho?”, provocou a mais veterana apresentadora argentina, Mirtha Legrand. “Com esse bigode horrível. Espantoso”.
Todo mundo sabe que gordinhos de bigode horrível viram homens irresistíveis quando se tornam presidentes e passam a emanar o maior dos afrodisíacos, na definição de Henry Kissinger.
PERFIL EM CONSTRUÇÃO
Os casos de Alberto Fernández seria apenas mais uma prova divertida disso se não envolvessem as agressões bárbaras à sua “fixa”, Fabíola. Na acusação, ela enumera nove episódios em que foi esmurrada, sacudida, esganada e socada na barriga quando estava grávida, além de induzida a fazer um aborto. E, mais recentemente, pressionada a assinar um comunicado negando todas as agressões, quando o caso começou a vir à tona em razão da apreensão do celular da secretária de Fernández, numa investigação por corrupção.
O olho roxo que ganhou as redes foi fruto de um soco quando os dois estavam discutindo na cama sobre os avanços dele em relação à ex-melhor amiga de Fabíola. Ela disse que ele deu um soco no seu olho, virou de lado na cama e não falou mais nada.
A imagem de Fernández, como um incompetente amável que foi largado por todos, entre os quais os aliados, depois de um governo desastroso, mudou completamente, substituída pelo perfil típico do agressor brutal de mulheres – inclusive pelo papel de vítima que tenta, cinicamente, assumir.
O perfil de Milei ainda está em construção. Ele se tornou um personagem impressionante ao passar de economista que fazia comentários na televisão com ideias ultralibertárias a presidente, numa velocidade sem precedentes.
As mudanças que está tentando fazer na Argentina também são sem precedentes. Já controlou a inflação, que foi de 4% em julho, contra 25,5% no mês em que assumiu, dezembro de 2023 – sim, fazem apenas nove meses que Milei entrou em ação, embora pareça muito mais devido a seu comportamento hiperativo. Também conseguiu a aprovação de uma lei abrindo caminho a reformas de base importantíssimas para seu projeto de libertar as forças econômicas e vem acumulando superávits fiscais mês a mês.
FIGURA SOLAR
Quem acompanha os sucessivos e tectônicos problemas argentinos tende a achar que será mais um experimento falido.
Talvez o grande “milagre de Milei” tenha sido convencer a maioria dos eleitores de que, contra todas as experiências anteriores, tiraria da cartola um coelho, negro como os cisnes dos eventos raros e inadequadamente explicados.
Com seu estilo único, ele virou também um personagem e um símbolo de alcance internacional: a direita em todo mundo torce por ele, a esquerda só está esperando pelo momento da derrocada para sair comemorando.
O que é isso diante da dúvida sobre o namoro com Yuyito González, se vai ser fogo de palha ou virar coisa mais séria? Haveria o precedente de Isabelita Perón, a dançarina que Juan Perón conheceu num cabaré e transformou em esposa, na época do exílio, e em vice-presidente e sucessora, depois de sua morte.
É um precedente horripilante, que arrastou a Argentina para o golpe militar. Ninguém quer se lembrar disso e a figura solar de Yuyito ajuda a nem pensar em paralelos históricos. A popularidade de Milei está em queda – 45,2%, tendo chegado a 58,7% -, o que não chega a ser surpreendente diante do preço amargo do ajuste, que ele mesmo prognosticou.
O namoro com uma ex-vedete não pode atrapalhar em nada.