A decisão do Tribunal Penal é ruim para Israel e péssima para Netanyahu
A justiça (ou injustiça) de acusações de crime contra a humanidade pode ser discutida, mas permanece o fato de que são um fardo extra
Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Yoav Gallant possivelmente não poderão ir a nenhum dos 124 países que aderiram às regras do Tribunal Penal Internacional, sob risco de prisão.
Exceto, naturalmente, se for em visita a algum simpatizante que vai dar “uma pensada” sobre o acordo internacional para penalizar autores de crimes de guerra e outros da categoria contra a humanidade – a atenuante levantada pelo presidente Lula da Silva para permitir a visita de Vladimir Putin, enquadrado nesse repudiável campo por causa de atrocidades cometidas pela Rússia na Ucrânia.
É justo equiparar Israel, que foi alvo de um ataque mortífero e grotescamente brutal, a Putin, comandante de uma invasão totalmente injustificada? É justo colocar Netanyahu e Gallant no mesmo pacote dos três líderes do Hamas enquadrados pelo TPI, Yahya Sinwar, Mohammed Deif e Ismail Haniyeh – este o único em circulação, mas só em países amigos?
Até oposicionistas radicais a Netanyahu condenaram o “escândalo” da equiparação: quem atacou Israel, praticando atos hediondos contra civis, foram o radicais do Hamas.
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Disse o presidente Isaac Herzog, que veio da centro-esquerda: “Qualquer tentativa de estabelecer paralelos entre terroristas atrozes e um governo eleito democraticamente de Israel, empenhado em exercer seu dever de proteger e defender seus cidadãos inteiramente de acordo com o direito internacional, é revoltante e não pode ser aceita por ninguém”.
LONGO PRAZO
No exercício do direito à defesa, Israel praticou abusos, penalizou excessivamente a população civil e cometeu crimes de guerra?
É difícil encontrar um único especialista que tenha opiniões isentas, não contaminadas pela simpatia ou antipatia a Israel. É uma situação reconhecidamente complexa: os combatentes do Hamas se escondem em túneis de enorme extensão, usam instalações civis como hospitais e escolas como base de operações e, cinicamente, exaltam as vítimas inevitáveis como “mártires” de uma causa que exige sacrifícios.
“Os que não cumprem a lei não deveriam reclamar quando tomamos providências”, respondeu, preventivamente, o encarregado da acusação, Karim Khan, um advogado nascido na Escócia, filho de pai paquistanês.
Khan também disse que estava mirando nos chefes – daí a ausência dos comandantes militares diretamente responsáveis pela operação em Gaza.
Independentemente dos nomes envolvidos, a ação do TPI pode ter um efeito profundo, de longo prazo: militares que defendem seu país não querem ser acusados de crimes de guerra e impedidos de se deslocar livremente pelo mundo. Isso pode ter consequências de longo prazo. até para o mais modesto reservista israelense.
Todos os bombardeios de Israel são endossados por equipes de advogados, tal como acontece nos Estados Unidos – uma forma de prevenção não necessariamente eficaz.
Israel não aderiu ao Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional, justamente por viver num conflito, aberto ou arrefecido, que coloca em dúvida suas operações militares. Netanyahu e Gallant são acusados de usar o abastecimento de gêneros de primeira necessidade como arma contra a população civil, causar deliberadamente grandes danos físicos e, também deliberadamente, matar não combatentes. O fechamento dos acessos a Gaza no começo da guerra é um dos sustentáculos das acusações.
“UM ABSURDO”
O resultado prático das acusações é muito maior para os líderes israelenses. Os acusados do Hamas promoveram com orgulho as atrocidades cometidas no ataque de 7 de outubro, muitas vezes transmitidas ao vivo. Os que estão fora de Gaza, vivem no eixo Catar/Turquia, com eventuais viagens a Moscou.
Os Estados Unidos incentivaram a criação do TPI, mas não assinaram o Estatuto de Roma (juntamente com Catar, China, Iraque, Israel, Líbia e Iêmen) por causa do comprometimento a suas ações internacionais contra o terrorismo. A Rússia também não faz parte do acordo.
“Quero saber por que o Brasil é signatário de uma coisa que os Estados Unidos não aceitam”, disse Lula da Silva ao se revoltar contra o TPI. “É um absurdo. São países emergentes signatários de umas coisas que prejudicam eles mesmos”.
Pode ter mudado de opinião. O tribunal que funciona em Haia tem a missão de investigar e julgar indivíduos, não países. Isso é da esfera do Tribunal Internacional de Justiça, órgão vinculado à ONU, daí suas limitações em razão do direito de veto das cinco grandes potências originais.
Todos os que clamam por justiça ainda estão aprendendo como lidar com a questão dos crimes contra a humanidade, às vezes tão óbvias, às vezes tão complexas.
“GUERRA JUSTA”
A decisão de Karim Khan acrescenta um problema adicional para Netanyahu. O único oposicionista conhecido que integra o gabinete de guerra, Benny Gantz, deu um prazo até 8 de junho para Netanyahu se pronunciar sobre que tipo de futuro prevê para Gaza. Os líderes militares têm dado o mesmo recado: sem um plano claro, eles terão que continuamente “refazer” a guerra, reocupando áreas das quais se retiraram.
Os Estados Unidos pressionam por uma solução praticamente impossível e, para Netanyahu, inaceitável: transmitir a administração do território para a Autoridade Palestina. Além de inviável, essa saída é rejeitada pela população de Israel – tanto que as pesquisas de opinião indicam o aumento da aprovação a Netanyahu.
Se houvesse eleições agora, os partidos que compõem a atual coalizão de governo, incluindo os radicais do sionismo religioso, teriam 58 deputados. A oposição elegeria 52.
O impasse, portanto, continua. A decisão do TPI pode até favorecer Netanyahu internamente. Ontem, 106 dos 120 deputados assinaram uma declaração de repúdio à decisão do tribunal de Haia e em defesa da “guerra justa contra uma organização terrorista”
“Nossos heroicos soldados estão lutando com coragem e determinação sem paralelos, de acordo com o direito internacional como nenhum outro exército jamais fez”, diz a declaração.
Estados Unidos, Alemanha e Itália condenaram a equiparação entre Israel e Hamas – “Revoltante”, segundo o governo americano que, nada secretamente, quer se livrar de Netanyahu.