Na semana passada, uma notícia despertou curiosidade no noticiário: o Federal Bureau of Investigation (FBI) e o Department of Justice (DoJ), órgãos responsáveis por investigar corrupção nos EUA, publicaram em suas redes sociais que estão dispostos a pagar até 5 milhões de dólares por novas informações de propinas que levem à condenação da Odebrecht e Braskem. Faço aqui duas provocações pertinentes: essa estratégia é de fato eficaz (aumenta as chances coletar provas substanciais) e moral (não deveríamos denunciar corrupção simplesmente porque é a coisa certa a fazer)?
Quanto ao primeiro questionamento, acredito que a maioria responderia um óbvio sim. Aprendemos desde cedo que a lógica da recompensa financeira é o mais potente motivador do ser humano. Quero propor aqui uma reflexão inversa a essa percepção, baseada em uma nova área de conhecimento científico: a ética comportamental.
Nos últimos anos, uma série experimentos baseados em psicologia e ética comportamental foram conduzidas por algumas das melhores universidades do mundo, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a London School of Economics (LSE), inclusive para validar a hipótese da eficiência das recompensas no mercado de trabalho.
Numa delas, o pesquisador Dan Ariely oferecia três tipos de recompensa (baixa, média ou alta), conforme o desempenho esperado em uma determinada missão. Curiosamente, chegou-se à conclusão que os bônus oferecidos funcionavam apenas quando o desafio envolvia apenas tarefas puramente mecânicas; caso a missão exigisse habilidades ainda que levemente cognitivas, recompensas maiores levavam a desempenhos piores. Eis aqui o primeiro paradigma sob desconstrução, e que contrasta com o que é feito no mundo dos negócios. Seria tal lógica também aplicada às recompensas para denunciar crimes de corrupção?
Quanto ao segundo questionamento, perguntei se seria moral receber uma recompensa financeira para delatar um crime de corrupção. Devo aceitar alguma vantagem para fazer a coisa certa? Essa discussão pode parecer um tanto filosófica, sobretudo quando tendemos a pensar de maneira pragmática (se funciona, por que se importar?). Aqui também desejo inverter essa lógica, que acredito ser tanto eticamente incoerente quanto perigoso a longo prazo.
Quando governos ou corporações implementam canais de denúncias, estes são, em última instância, pilares de um programa de integridade. Ao aceitar a lógica pragmática, reconhecemos que os fins podem justificar os meios, ou seja, que não importa utilizar uma lógica imoral para atingir uma finalidade ética.
Deixe-me colocar isso numa outra perspectiva: como cidadão, devo fazer sempre a coisa certa ou apenas quando eu sair em vantagem? Eis a questão ética: as pessoas deveriam denunciar crimes de corrupção porque seus efeitos são nefastos à coletividade; nunca baseado numa vantagem pessoal. Trata-se de uma relação causa-efeito que engloba a todos, não somente a mim próprio. Qualquer inversão dessa lógica me parece eticamente incoerente.
Isso pode parecer uma grande bobagem, mas os efeitos morais de aceitar a lógica pragmática são devastadores, sobretudo a longo prazo, já que criamos uma moral meramente utilitarista. E quando acabar o dinheiro? Conseguiremos, como sociedade, manter a motivação de combater a corrupção “apenas” porque é a coisa certa a fazer?
Daniel Pink, renomado autor global, destaca no livro Motivação 3.0 que, no contexto do século XXI, a abordagem mecanicista das motivações extrínsecas, isto é, de recompensa e punição (ou cenouras e chicotes) não funciona em desafios minimamente complexos, que demandam capacidade criativa e conceitual (que utilizam o hemisfério direito do cérebro).
A solução, segundo Pink, é trabalharmos as motivações intrínsecas, ou seja, o impulso por fazer algo porque aquilo é importante, faz parte de algo maior ou é eticamente correto. Sua ideia leva em consideração três pilares: autonomia (o imperativo de conduzir a nossa própria vida), domínio (anseio de nos tornarmos cada vez melhores naquilo que realmente importa) e propósito (desejo de gerarmos impacto em prol de algo maior do que nós mesmos).
A construção de uma ética coletiva mais perfeita nunca se apresentou como um trabalho fácil e não será criada a partir de estratagemas ineficazes ou imorais, cujos fins justificariam os meios. Seu caminho passa por motivações intrínsecas, por mais difícil que seja construí-las: educação crítica, empatia coletiva e ética aguçada, desconstruindo antigos paradigmas pautados em mitos e construindo novos baseados na ciência.
* Daniel Lança é articulista e advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e sócio da SG Compliance.