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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Qual será o futuro do Chile?

Embaixador do país sul-americano no Brasil, Fernando Schmidt, conta as raízes do processo que pode levar até ao parlamentarismo

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 out 2020, 17h09 - Publicado em 27 out 2020, 13h04
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  • O processo de construção de uma nova Constituição, que começa agora no Chile, pode levar o país até a um semi parlamentarismo, ou ao próprio parlamentarismo, considera o embaixador chileno no Brasil, Fernando Schmidt. Em longa entrevista concedida à coluna, ele disse que o plebiscito não foi o resultado dos protestos violentos, mas sim das manifestações de massa e pacíficas que ocorreram naquele país no ano passado.

    Fernando Schmidt fez questão de separar os episódios violentos da vontade majoritária expressa nas ruas e nas urnas. O embaixador se diz otimista com o processo que fará uma nova Constituição no país vizinho. Os 150 constituintes vão ser eleitos em abril do ano que vem e o acordo é para que haja paridade: 50% dos representantes serão mulheres. Ele disse que tanto as forças de esquerda, como as de centro, quanto alguns partidos de direita apoiaram a proposta de fazer nova Constituição.

    Na entrevista à coluna, o embaixador explicou ainda que a nova Carta vai exigir o diálogo e a união desses partidos de ideologias adversas, tendo em vista que há um acordo prévio, assinado um ano atrás, estabelecendo que artigos da Constituição devem ser aprovados por dois terços dos constituintes. Isso está forçando os diversos grupos que vão se formar dentro da Assembleia Constituinte a dialogar, a ceder e a formalizar amplas maiorias, na visão de Fernando Schmidt.

    O movimento suprapartidário chileno é impensável hoje no Brasil polarizado e liderado por um presidente de extrema direita, que acredita na discórdia como forma de governar. O Chile, mais uma vez, sai na frente. Confira os principais trechos da entrevista:

    Movimento nas ruas pela nova Constituição

    Estou bastante otimista porque este é um processo que se iniciou um ano atrás, não como o resultado da violência, mas sim como resultado das manifestações pacíficas. Você se lembra que nos dias 18, 19 e 20 de outubro se manifestaram nas ruas de Santiago 1 milhão e meio de pessoas procurando um novo Chile. Como chegamos a isso tendo uma reputação de um país bem sucedido, de um país, para muitos, moderno? Chegamos através de diversas causas.  Vamos separar a violência. A violência é um aspecto e as manifestações legítimas e massivas são outro. O primeiro é, naturalmente, uma busca de um maior bem estar por parte de uma classe média que maciçamente se considerava maltratada em termos educacionais, hospitalares, em vários aspectos. Era uma classe média que já abrangia a parte mais significativa, mais expressiva da sociedade. De longe, uma classe média que gostava já de viajar, de passar as férias em Cancún, em outras partes. Mas considerava que estava muito atada a um passado onde a divisão de classes era muito pesada para essa classe média. Por um lado, se considerava maltratada pelo mundo empresarial, que era um mundo que ainda não compreendia as suas aspirações completamente. Maltratada pelo Estado, que não estava fornecendo uma educação de qualidade, embora essa classe média houvesse subido. Já estava aspirando patamares cada vez mais altos. E esses patamares cada vez mais altos expressaram uma crescente insatisfação, que foi se acumulando ao longo dos anos e eclodiu nesse momento. É uma classe média que gostaria de ter novamente um estado de bem estar. Também, era uma classe média emergente que desejava participar mais. Com uma imprensa que atacava o mundo, os partidos políticos, enfim, parecia que tudo estava monopolizado pela estrutura dos partidos. E a participação era um elemento fundamental para ela. “Queremos participar”, era um grito pela participação. 

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    Também existiam outros elementos: povos originários que buscam reconhecimento constitucional, mulheres com uma paridade e melhorias processuais, enfim, todo esse mundo se expressou um ano atrás. E a violência, que tinha suas próprias dinâmicas, a violência era causada pelos nem-nem, nem trabalham, nem estudam, causada pelos anarquistas, também pela anomia, torcedores de futebol, enfim, um grupo de pessoas desorganizadas, mas fundamentalmente insatisfeitas. 

    As duas manifestações coincidiram no mesmo tempo, mas são muito diferenciadas. O mundo político se organizou neste momento, em 15 de novembro de 2019, para reformular um novo pacto político e social. Esse pacto político e social é uma nova Constituição. Então, se organizou para um plebiscito para que os chilenos decidissem se a Constituição atual deveria permanecer ou se deveríamos começar a transitar para um novo pacto político e social. E a segunda pergunta era: ‘qual seria o corpo que reformaria, caso seja o ‘sim’ a resposta massiva’ – que foi o caso – ‘qual seria o corpo para desenhar a futura Constituição?’. Seria uma Assembleia Constituinte? Seria uma comissão mista, composta por 50% dos atuais parlamentares, e os outros 50% de pessoas escolhidas a esse propósito?.

    União de partidos políticos com ideologias contrárias

    Agora, tivemos vários elementos que são muito interessantes. O primeiro que uma maioria dos chilenos, de diversos partidos políticos, vale a pena dizer isso, das diversas sensibilidades políticas aceitaram mudar a Constituição e começar a transição. Então, você tinha uma pergunta que dizia: “aceito uma nova Constituição ou rechaço e fico com a Constituição atual?”. 77%, 78% dos chilenos disseram: “aceito uma nova Constituição”. Essa palavra “aceitar” foi endossada por partidos políticos naturalmente da esquerda, de centro-esquerda, mas também da direita e de centro-direita. A extrema-direita foi claramente partidária do “rechaço”, mas partidos como a UDI, o Renovação Nacional, ou partidos de centro-direita, como o Evópoli – o Evópoli foi unanimemente pelo “aceito”. O Renovação Nacional foi 50-50 e a UDI um 60-40 – 60 pelo “aceito” e 40 pelo “rechaço”. Mais ou menos. Ninguém vai saber exatamente quais são, mas líderes políticos de todos esses partidos políticos se pronunciaram por uma nova Constituição. Isso é um elemento interessante. Atrás da versatilidade ideológica há por um novo pacto social. 

    Participação popular expressiva

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    O segundo elemento que foi importante foi a participação. Desde 2012 que no Chile o voto é voluntário. Embora seja voluntário, 50,6% dos chilenos participaram desta eleição. Isso é muito interessante porque desde o ano que se instalou o voto voluntário, nenhuma eleição alcançou esse patamar, a metade mais um de participação.

    Participação da juventude

    Um terceiro elemento que é interessante é a juventude. Maciçamente os jovens foram nas urnas e isso é um fenômeno interessante. Então, estão dizendo “nós jovens queremos um novo pacto político social, onde nós sejamos incluídos”.  

    Castigo aos partidos

    Um quarto elemento foi também os partidos. Os partidos foram bastante castigados porque, na pergunta, ‘se a Assembleia Constituinte ou uma Comissão Constituinte composta a metade pelos partidos políticos ou pelos parlamentares’ foi sumamente castigada. A população diz “nós queremos uma Assembleia Constituinte, um órgão novo”, que vai ser estruturada naturalmente, de candidaturas apresentadas pelos partidos políticos… Os partidos políticos têm um papel a desempenhar, mas não vai ser diretamente.

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    Isolamento da violência

    E um último elemento interessante é isolamento da violência. O ato de ontem (domingo) foi absolutamente pacífico. Uma semana atrás, um grupo de vândalos havia queimado duas igrejas, imagem que percorreu o mundo todo. E outras igrejas haviam sido queimadas antes, mas esse fenômeno, essa violência que parte de um grupo  de pessoas desadaptadas com a vida em geral, é o anomia, o anarquismo, narco, torcedores de futebol, enfim, grupos, elementos diversos  sem nenhuma estruturação específica que não seja a destruição de tudo, dos estabelecimentos, do banco, de uma cafeteria, de tudo. Isso é resumidamente.

    Próximos passos

    O que vem agora, naturalmente, são os resultados oficiais que devem ser publicados e isso tem uma estrutura jurídica, e aí devem ser anunciados nesses próximos 15 dias. E no início do próximo ano devem ser apresentadas as candidaturas ao órgão eleitoral para a redação da nova Constituição. Depois disso começa uma campanha eleitoral por 60 dias e em abril de 2021 teremos então eleições para eleger cada um dos 150 constituintes. 

    Esses 150 constituintes serão eleitos em abril de 2021 e aí tem um processo de 9 meses para eles redigirem uma Constituição, que tem uma característica. Ela está forçada – foi um pacto entre todos os partidos políticos que assinaram o acordo em novembro de 2019 – que artigos da Constituição deveriam ser aprovados por dois terços dos constituintes. Isso está forçando os diversos grupos que vão se formar dentro da Assembleia Constituinte a dialogar, a ceder e a formalizar amplas maiorias. Quando não se conseguir um resultado aceitável para os grupos, aí vamos ter um problema. Sou otimista da moderação. 

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    Se depois dos 9 meses de discussão os constituintes não alcançarem um texto já adaptado, então o governo dá três meses de prazo adicional para a Assembleia apresentar finalmente um texto à população. Finalizada essa etapa, você vai ter já no ano de 2022, em maio de 2022, um novo plebiscito para aprovar a Constituição resultante.

    Agora, esse plebiscito de maio 2022 vai ser um plebiscito onde a totalidade da população chilena deve participar, o voto aí não será voluntário. Vai ser obrigatório de novo. Isso será mais ou menos a trajetória desde o início até o futuro. 

    Resquícios da ditadura 

    A Constituição foi dezenas de vezes reformada e a última grande reforma acabou com todos os entulhos ditatoriais que existiam. Mas os fatos políticos nem sempre são fatos objetivos. Então você tem uma Constituição, cuja origem foi ditatorial, articulada 100% democrática, sem entulho nenhum para limitar a democracia chilena, mas a origem é o que está sendo considerada como pouco democrática ou nada democrática. Dito isso, também as pessoas votaram na Constituição aspirações de diversas naturezas. Todas as aspirações para o maior bem de ajudar, numa melhor educação, de maior participação, não são da natureza da Constituição. A maioria delas, aquelas normas, aqueles princípios, o direito a uma educação, a uma saúde, a um ambiente livre de contaminação, são todas coisas que já estão na Constituição de hoje. Então, o entulho principal era mais psicológico, no aspecto político, que um entulho físico, digamos. 

    Mulheres

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    A Constituição será feita por 50% de mulheres e 50% de homens. Foi um dos elementos que foi acordado nas discussões de 15 de novembro, no pacto inicial do ano passado. 

    Impacto nova Constituição

    Ninguém sabia futuramente qual seria o desenlace dessa movimentação naquele momento porque a Constituição não era a causa do mal portar. Foi aos poucos posicionando-se como um elemento político psicológico, segundo o meu entender, e adjudicando a culpa de diversos males à Constituição política. A Constituição foi muito instrumental para isso. Mas a “iniquidade, desigualdade”, falta de acesso justo à educação, a uma educação de qualidade,  não é culpa de uma Constituição. Falta de acesso a uma saúde de boa qualidade não é culpa de uma Constituição. É culpa do sistema político ou do mundo político, da classe política, o que seja.  

    Parlamentarismo

    Existe um advogado sociólogo que tem escrito bastante sobre os últimos tempos  Um homem de esquerda, intelectual super interessante que analisa o fenômeno do ponto de vista geracional. Como a nova geração de chilenos que estão puxando para outro sistema político, que pode ser também um sistema político semi parlamentar ou, inclusive, um sistema parlamentar. As pessoas estão em discussão e existem muitas possibilidades que adotemos pela primeira vez na América Latina o parlamentarismo. 

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