No dia 17 de abril de 2016, quando todos assistiam ao julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff e um deputado, até então levado na brincadeira, exaltava o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra… faltou ao parlamento e ao judiciário que medidas mais extremadas fossem tomadas. Escolheram não fazê-lo.
Muitas foram as escolhas (ou a falta delas), no pós ditadura, que nos levaram ao 8 de janeiro, bem como ao silêncio do governo Lula pela passagem do bárbaro golpe de 1964, que hoje completa 60 anos.
Ainda em 1979, a fim de refazer as pontas e possibilitar um “recomeço”, pouco antes do fim do regime ditatorial, optou-se pela lei da Anistia. A escolha permitiu que muitos voltassem ao país depois de um longo período de exílio. Igualmente possibilitou que militares fossem poupados de seus crimes. Passamos à democracia muito na efusiva ideia de que se instaurava um regime que deixava para trás os tempos horrendos da ditadura. Hoje vemos que não ficou. Está tudo aí: na política, nas polícias e no próprio Exército.
Ao longo da década de 90, muito embalado pela estabilização econômica, deixamos para trás essas questões, mesmo que elas permanecessem de certa forma à volta de tudo e todos. Não esqueçamos que Marinha, Exército e Aeronáutica permaneceram com ministérios representados por seus chefes até 1999, momento em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a descontento das próprias Forças, criou o ministério da Defesa e colocou à frente da pasta um civil.
Os anos 2000 pareciam ter apaziguado todos os ânimos. O amor vencia o ódio e a esquerda assumia o poder com certa harmonia entre os poderes. Novamente, optou-se pelo apaziguamento, o mesmo que o presidente Lula escolheu para este momento.
Mas o próprio Lula escolheu quem o sucederia em 2011 e a vida de Dilma Rousseff não permitiria deixar que esta História fosse esquecida. A Comissão nacional da verdade foi instaurada. Os tempos eram outros, muito mais complexos que os anos 1990 e 2000. Já batia à porta ânimos acirrados para todos os lados.
O mundo todo, e não só o Brasil, mostrava que as coisas estavam mudando. 2013 batia à porta e nada mais seria do mesmo jeito. Não haveria, como sabemos, clima. O impeachment chegaria e Bolsonaro daria sua declaração a favor de outro criminoso, o torturador Brilhante Ustra.
E o pior: seria eleito em 2018, ancorado por muitos que até o fim de seu mandato estiveram afoitos por um golpe. A história do exército brasileiro, não nos esqueçamos, é de muito mais de golpismo do que de defesa do Estado.
Seguimos com o lastro desse horror, que se mostra como a raiz dos maiores problemas pelos quais a sociedade brasileira passou e passa nas últimas décadas: corrupção em estatais, milícias cariocas, a falta de direitos humanos no trato policial, dentre muitas mazelas que foram chanceladas pelo discurso da Ditadura militar que durou – e de novo não esqueçamos – vinte e um terríveis anos. Ao escolhermos pela não punição, incorremos no maldito retorno da história estatelada à nossa frente como tragédia. Traímos, dessa forma, nosso próprio futuro.
Traidor da Constituição é traidor da Pátria, dizia o deputado Ulysses Guimarães na promulgação da Carta Constitucional de 1988. De certa forma, mesmo que este governo tenha buscado restaurar o processo democrático, somos todos um pouco traidores da democracia e da Pátria quando escolhemos o silêncio diante da efeméride do golpe. É preciso bradar: Ditadura nunca mais!
* Rodrigo Silva é Mestre e Doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Graduado em História (PUC-PR) e aluno de Jornalismo (Cásper Líbero). Editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política é vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem)