O Podemos, sigla que conversa com Sérgio Moro sobre eventual disputa eleitoral em 2022, se tornou um dos primeiros partidos políticos do país a implementar um sistema de Compliance no diretório nacional. A iniciativa é inovadora e merece atenção, uma vez que nenhum outro partido estabeleceu – por sua livre e espontânea vontade – um sistema anticorrupção robusto e sistêmico que estabelece regras de conduta ética mais rígidas do que a própria legislação estabelece. E lança luz tanto em um problema quanto numa oportunidade que apresento a seguir.
Primeiramente, vale jogar luz no problema: historicamente, partidos políticos têm pouco compromisso com transparência e integridade no uso de recursos públicos, o que por si só já é um receita para desastre. A disparidade nas regras de utilização de dinheiro do pagador de impostos entre a Administração Pública e partidos políticos é monumental, muito embora venham ambas da mesma fonte arrecadatória.
Nesse quesito, o recente Ranking de Transparência Partidária, elaborado em 2018 e composto por quatro eixos (contabilidade, dirigentes e filiados, procedimentos e estrutura partidária) apresenta números alarmantes: dos 35 partidos brasileiros, as notas variam entre 2,5 a zero, numa escala de 0 a 10 – o PSL, por exemplo, é o último colocado com nenhum ponto conquistado. Na semana passada, o Estadão divulgou reportagem que mostra que os partidos têm ampliado repasses de verba para suas fundações, que contam com ainda menos transparência. E isso ocorre no exato momento em que se discute a ampliação do fundo eleitoral para quase R$ 6 bilhões de reais.
Compreendido o problema, qual então seria então uma solução viável? Sem dúvidas, a implementação de programa de compliance partidário caminha nesse sentido. Se pela legislação atual há brechas de transparência e integridade, tramita no Congresso Nacional interessante Projeto de Lei (PLS 429/2017), de autoria do Senador Antonio Anastasia (PSD/MG), que determina a obrigatoriedade de programas de integridade nos estatutos partidários para coibir desvios, fraudes e atos ilícitos.
É exatamente o que acontece com o Podemos. Mesmo sem a compulsoriedade legal, a sigla lançou, no último mês, seu Programa de Compliance, que – de maneira robusta e sistêmica – implementará quinze pilares de integridade partidária, tais como códigos de conduta ética, controles internos e regras de transparência e controles contábeis e financeiros, auditorias internas, canais de denúncias de irregularidades e procedimentos de investigações internas conduzidas por uma área de compliance independente.
Segundo a Presidente nacional do Podemos, Deputada Federal Renata Abreu, o assunto é vanguardista, vez que o partido proativamente busca “mais transparência em sua gestão, com a incorporação de práticas internacionais de prevenção ao desperdício de recursos públicos e à corrupção”. Outros partidos já buscaram iniciativas similares. O PSDB chegou a esboçar um Código de Ética, e o PSL, partido que elegeu Jair Bolsonaro em 2018, aprovou um Programa de Integridade, mas sem robustez. Ainda há um caminho longo a ser percorrido.
Se almejamos uma democracia pujante a longo prazo, será primordial que os partidos políticos atuem de modo transparente e íntegro. Nesse caminho, cabe à sociedade civil pressionar o Congresso Nacional para aprovação de legislação que fortaleça a integridade das siglas partidárias. E quem sabe sonhar que outros partidos sigam espontaneamente o caminho da implementação de ferramentas de compliance partidário.
* Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e foi um dos especialistas a escrever as Novas Medidas contra a Corrupção (FGV/Transparência Internacional)