A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também tratou, em entrevista à coluna, do desafio de buscar o desmatamento zero – comprometimento feito para 2030 – , mas sob a égide de “fortalecer a democracia combatendo a desigualdade, para que nada fique separado”.
Em vídeo (assista abaixo), Marina defende o controle do desmatamento em todos os biomas, e faz um apelo sobre o Cerrado, que, mesmo com uma legislação frouxa – o Código Florestal permite o desmatamento de 80% da área com cobertura vegetal nativa em propriedades privadas no Cerrado – tem enfrentado mais de 50% de desmatamento ilegal.
“Os biomas são interligados, os desafios também. Ao mesmo tempo em que nós temos que zerar o desmatamento, nós temos que continuar sendo prósperos, gerando riqueza e renda – só que em novas bases. O que me deixa esperançosa e cada vez mais persistente é que agora não é um plano isolado, é um plano para todos os biomas”, afirma.
Mesmo tendo vocalizado há décadas que era preciso mudanças na forma de lidar com o meio ambiente para evitar que eventos extremos nos atingissem, como acontece agora no Rio Grande do Sul, a ministra do Meio Ambiente rechaça assumir o papel do “eu avisei”. Ela defende também um novo regime jurídico para cidades em emergência climática.
A íntegra da entrevista por ser lida aqui. Abaixo, a resposta de Marina sobre a meta de desmatamento zero para todos os biomas brasileiros.
Ministra, a gente sabe que está tudo interligado, não é? Os biomas estão todos interligados. Existe uma meta de desmatamento zero para 2030. Com a sua chegada no Ministério, o desmatamento na Amazônia caiu 55%. Mas também tem outros problemas nos outros biomas, como o Cerrado, que tem enfrentado uma luta enorme e a gente sabe que a legislação atrapalha muito, porque ela permite a destruição do bioma. Eu queria que você me dissesse, no geral, diante desse quadro que a gente está vivendo de desastres naturais, como você está vendo esse desmatamento zero e também a questão dessa interligação entre os biomas no Brasil?
Marina Silva – Primeiro eu vejo acontecendo algo completamente adequado e acertado da parte do presidente Lula de ter ganho a eleição legitimando a ideia do desmatamento zero. Isso foi algo que foi para a campanha presidencial e que, após a campanha, entre os primeiros atos do presidente, foi a retomada do PPCDAM, do Fundo Amazônia, dos esforços para que se tivesse planos de controle do desmatamento, não só para o bioma Amazônia, mas para todos os biomas. Então nós já temos o PPCDAM de volta com os resultados de 55% [de diminuição do desmatamento] nesse primeiro ano e meio de governo. Nós já estamos implementando o PPC do Cerrado, que é onde tem um imenso desafio, porque 80% pode ser usado e só 20%, por obrigatoriedade de lei, com raras exceções, tem que ser preservado. Mas mesmo nesse caso temos uma parte que é legal, mas mais de 50% do desmatamento do Cerrado está sendo identificado como ilegal. Agora, mesmo aquilo que é legal, cria problema se for tudo desmatado. Primeiro porque nós não vamos conseguir alcançar nossa meta de redução do CO2 se o desmatamento, legal ou ilegal, na Amazônia, no Cerrado, na Caatinga, for realizado. Vamos inviabilizar a meta e muitas coisas, porque como eu digo: o homem legisla mas a natureza não assimila. E nós temos que olhar para o que a ciência está dizendo. Então esse acerto de desmatamento zero vem acompanhado do acerto de enfrentamento à questão climática, mas de fortalecer a democracia e combater a desigualdade, para que nada fique separado. Os biomas são interligados, os desafios também. Ao mesmo tempo em que nós temos que zerar o desmatamento, nós temos que continuar sendo prósperos, gerando riqueza e renda, só que em novas bases. O que me deixa esperançosa e cada vez mais persistente é que agora não é um plano isolado, é um plano para todos os biomas. Nós estamos fazendo isso dentro da quadratura do plano de transformação ecológica, dentro do compromisso de termos metas de redução de CO2 que são ambiciosas, que exigem redução de emissões, tanto em relação ao uso da terra, em relação à indústria, à agricultura, energia, mobilidade em todos os setores. Mas não é um desafio pequeno, é de grandíssima monta, mas é o desafio que tem que ser enfrentado. Assim como tem que ser enfrentada a missão de 1.5 desmatamento zero está dentro da missão. Nós não podemos ultrapassar o limite de temperatura da Terra. Foi isso que ficou consignado. A ciência venceu lá em Dubai. Agora, para alcançar esse resultado, nós precisamos ter redução de CO2 que seja compatível com essa missão, termos meios de implementação, recursos, sobretudo para ajudar os mais pobres a fazer a sua transição energética, a sua transição ecológica e combater as desigualdades dentro de seus países. Recursos financeiros que os ajudem a fazer essa transição. E vamos ter que encarar o miolo do vulcão da mudança climática, que é a transição para o fim do uso de combustível fóssil. Dubai, depois de 31 anos, assumiu que temos que fazer a transição para o fim do uso de combustível fóssil. O debate feito pelos países em desenvolvimento é de que os ricos lideram essa corrida à frente, tanto produtores de petróleo quanto consumidores de petróleo, e os em desenvolvimento vêm em seguida. E de que a gente, desde já, temos que triplicar a produção de renováveis, duplicar a eficiência energética e trabalhar para essa transição. Na Troika [os responsáveis pelas COP 28, 29 e 30] , nós estamos trabalhando todos esses pilares. E, aqui no Brasil, nós vamos ter que sair com metas de redução de CO2, com NDCs suficientemente robustas, comprometidas e ambiciosas, como costuma dizer a linguagem da convenção, que nos leve a alcançar a missão 1.5. E, mesmo assim, nós já estamos vivendo todos os problemas que estamos enfrentando, ondas de calor, enchentes, secas, ondas de frio extremo e chuvas, deslizamentos, tudo que está precificado já como dano para a humanidade.