Com sua encantadora impertinência juvenil, a ativista Greta Thunberg resumiu o trabalho da COP26 com as sílabas “blá, blá, blá, blá, blá”. Este resumo pode ser exagero de uma jovem em seus 18 anos de idade, mas resume o resultado prático para controlar as mudanças climáticas provocadas pelo crescimento econômico. A Greta não viu o surgimento de uma política mundial consequente em defesa do Planeta, com resultados concretos para barrar a marcha da tragédia ecológica. Ela não percebe que apesar de toda militância de seus milhões de aliados jovens no mundo, as decisões são tomadas pelos políticos eleitos por pessoas preocupadas com a sobrevivência, com a renda e o consumo dentro do seu país. A Greta pensa como um ser humano, olhando o futuro da humanidade, mas o eleitor pensa como nacional de seu país, olhando os próximos anos ou meses. Para se eleger, o político precisa dos votos dos cidadãos do seu país e só deles, não há presidente do mundo. Com seu sentimento humanista, o voto da Greta ajuda a eleger um simples parlamentar em um distrito na Suécia.
Por isto é difícil ser otimista em relação a impedir a marcha ao desastre ecológico e todas suas consequências.
Já está disseminada a ideia de que o mundo precisa abandonar os combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, mas é difícil convencer um pobre indiano a comer alimentos crus para não usar carvão; convencer o patrão e os trabalhadores a fecharem fábricas para evitar poluir a atmosfera de todo o planeta; como convencer os brasileiros a comemorarem o aumento do preço da gasolina, como uma forma de reduzir o consumo do petróleo. Cada um destes cidadãos nacionais sabe que sua família precisa do combustível e sabe ainda mais que se ele reduzir seu consumo, outros países não reduzirão e a temperatura do Planeta seguirá crescendo.
O tamanho da crise planetária exige soluções planetárias para o longo prazo, mas a politica decide com base nos interesses nacionais imediatos. A única forma de proteger as florestas do mundo é tratá-las como patrimônio mundial, e não apenas do país que as hospeda. Em recente debate do grupo Davos da Grécia, surgiu proposta para criação de uma “agência mundial para governar as florestas do mundo”: nos Estados Unidos, na Europa Ocidental, na Rússia, no Congo e no Brasil. Um órgão mundial com poder para definir as regras do manuseio das florestas e das terras onde elas estão, dispondo de recursos financeiros, para indenizar os países, e de poder policial, para impor suas decisões, contando com recursos e equipamentos científicos capazes de entenderem e fiscalizarem o estado de cada floresta, em cada momento.
Mas esta ideia dificilmente será implantada, porque já sentimos os riscos de seres humanos, mas continuamos nacionais, e nenhum presidente vai assumir o risco de sacrificar a soberania de seu país, em nome de salvar a humanidade e equilibrar a vida no Planeta. Se fizer isto, poderá perder a próxima eleição e seu sucessor volta à visão nacional e imediatista do eleitor. O avanço técnico integrou o mundo, mas os desejos que comandam a política continuam individuais e nacionais. Greta fala para o mundo, mas ela só elege um parlamentar sueco, daí o “blá, blá, blá, blá, blá” que ela percebeu nas discussões em Glasgow.
* Cristovam Buarque é ex-senador, ex-governador e ex-ministro. É também uma das vozes mais lúcidas da política brasileira