O fato da semana passada é que Jair Bolsonaro levou muitos à avenida Paulista. Independentemente da estratégia que tenham adotado – obviamente que por meio de muito impulsionamento nas redes – o ex-presidente e seu grupo político parecem contar com apoio forte quase um ano e meio depois das eleições.
A oposição tentou – legitimamente também, claro – dizer que a coisa era pequena. Fez memes, mostrou a Paulista repleta de gente na vitória de Lula, a fim de fazer uma comparação entre aquele momento, a derrota de Bolsonaro no pleito de 2022, e a manifestação de agora.
Lula, contudo, foi direto ao ponto e disse que era só olhar a imagem e ver que era grande e que era preciso ter atenção e cuidado porque há força e perigo nesse movimento. O presidente está mais do que certo nisso.
Dentre os muitos presentes estão os evangélicos. Havia um tom neopentecostal nos discursos, que em vários momentos lembrava um culto religioso. Não à toa o evento foi organizado e patrocinado pelo pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
Mas quem mais chamou a atenção foi Michelle Bolsonaro, que discursou em tom dramático e choroso, clamando à nação para uma virada a um lugar onde a laicidade vá, sabe-se onde, talvez para a lata do lixo. Em resumo, um horror, mas que parece ter lastro, muito lastro, quando se vê a multidão que se juntou em apoio à manifestação e ovacionou a ex-primeira-dama.
Mas há algo que vai além, porque nem todos que estão ali são, por óbvio, evangélicos. Há uma multidão que levanta muitas bandeiras como a raiva ou ódio do Supremo Tribunal Federal, a aversão ao comunismo e ao PT – estranhamente esse fantasma ainda ronda e mais estranhamente ronda em volta do Partido dos Trabalhadores.
Há ainda uma aversão aos que “vivem de bolsa família”, há os que são contra aborto em qualquer cirscuntância, os que apoiam a família (?), que se dizem a favor de Israel “porque são cristãos” (??) e levam até bandeira israelense (com um pentagrama ao invés da estrela de Davi), mas que estão lá porque são cristãos e querem o “fim de tudo que está aí” – frase memorável que há uma década nos persegue, desde as manifestações de junho de 2013.
Há, claro, os que odeiam a imprensa tradicional, a “grande mídia manipuladora”, etc. Essa pauta há tempos já é, infelizmente, comungada por ambos os espectros à direita e à esquerda e parece ser um poço sem fim, cujo grande perdedor é a democracia.
Episódio lamentável da semana foi a vaia que levou uma jornalista quando questionou Lula sobre a manifestação envolvendo Bolsonaro. É uma das muitas contradições da esquerda. Assunto longo e que merece um texto só para isso.
Nada parece abalar Bolsonaro
Tudo parece muito jocoso e patético e em certa medida o é. Mas lembremos: essa jocosidade toda fez 60 milhões de votos em 2022, tem força para continuar e formar sucessores. E como bem disse Lula, encheu a Paulista e tem força. E parte deles representa perigo, a se ver os absurdos das investigações golpistas do 8 de janeiro.
E mais: nada parece abalar Bolsonaro.
As joias não o fizeram, as buscas e denúncias parecem pouco fazer diante do absurdo todo. Seu séquito continua ali, ao menos até que ele tenha força e aderência junto à população. E Michelle, claro, cresce e se mostra capaz de liderar uma multidão ao estilo das escrituras Antigo Testamento, que tem mostrado ser a parte mais bem quista pelos cristãos evangélicos nos últimos tempos, cujos ensinamentos de Cristo não andam muito em moda.
Lula sugere que o governo traga soluções na economia e na vida das pessoas, a fim de mostrar trabalho. Faz certo e pode funcionar, mas não achemos que as ruas diminuirão, porque esta extrema-direita está aí e deve ficar por muito tempo.
* Rodrigo Silva é cientista político e historiador, doutorando e mestre em Ciência Política (UFPR)