Na última semana um escândalo se instalou no centro da vida nacional; o vazamento do áudio do ex-ministro da educação Milton Ribeiro, indicando um esquema de repasse de verbas do governo federal em favorecimento às prefeituras selecionadas por pastores. O furo de reportagem dado pelo jornalista Paulo Saldaña, da Folha de S.Paulo, revelou que o esquema encabeçado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura – ambos sem vinculação com o Ministério da Educação (MEC) – envolvia a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para obras de escolas, creches, quadras poliesportivas e compras de equipamentos federais para municípios apontados por eles. Segundo o ex-ministro Milton Ribeiro (que é pastor presbiteriano) em conversa com os dois líderes religiosos e com alguns prefeitos, o esquema de verbas teria nascido dum pedido pessoal do presidente Jair Bolsonaro.
Inquirido sobre os áudios que envolviam o seu nome, Bolsonaro afirmou que o conteúdo “não tinha nada de mais”. Nos dias seguintes à publicação da matéria, o caso seguiu sob investigação da Controladoria-Geral da União (CGU), porém, na última sexta, 25, a história ganhou mais um novo capítulo. Segundo noticiou o jornal O Estado de S. Paulo, pelo menos dez prefeitos atestaram a participação de pastores na intermediação de recursos com Milton Ribeiro. Na mesma data, o prefeito de Piracicaba (SP), Luciano Almeida (DEM), confirmou, em matéria à Folha de S. Paulo, ter recebido por contato telefônico a oferta de realização de um evento com a presença do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, mediante pagamento de custos pela administração municipal. Coagido moralmente pela exposição dos áudios e pelas acusações dos prefeitos, Milton Ribeiro entregou na última segunda-feira, 28, o pedido de exoneração da pasta da educação ao presidente Jair Bolsonaro.
As afirmações dos prefeitos estão sendo apuradas e seguem ainda sem comprovação, mas de forma incisiva colocam mais um elemento de suspeita à transparência e à ética do atual governo. O que esperar de uma administração que chancela esquemas paralelos que beneficiam contatos pessoais com verbas federais? Além de configurar uma gritante imoralidade no seio do governo e de ser uma clara exposição do tão conhecido patrimonialismo (a confusão entre as esferas pública e privada), a atual crise alojada no MEC também lança um pouco mais de luz na nefasta mistura entre política partidária e religião. Como já tive a oportunidade de asseverar em textos anteriores nesta coluna, a religião precisa ter uma boa convivência com o Estado, porém nunca deve se entrelaçar com ele em relações de conluio, caso contrário, necropolíticas e esquemas imorais são gestados “em nome de Deus”.
Não é estranho que no centro do atual escândalo do governo se veja três pastores evangélicos em ação. Isso porque Bolsonaro conseguiu de forma muito efetiva instrumentalizar a fé cristã para fins políticos, de modo que o aparelhamento das instâncias internas do poder executivo com a atuação de ministros religiosos tem sido seu modus operandi. Assim, a todo tempo, o principal mandatário da nação acena ao eleitorado evangélico; com favorecimentos e com o sinete do reconhecimento social, que historicamente, sempre foi negado ao segmento religioso.
O caso Milton Ribeiro é um arquétipo do que ocorrerá se Bolsonaro permanecer no poder por mais um novo mandato. Ou seja, uma espécie de governo teocrático será implementado pouco a pouco, como já tem sido feito pelas beiradas da vida institucional. Como consequência disso, afora ministros-pastores, teremos oficiais da religião preenchendo as principais áreas institucionais da nação e também novos escândalos conspurcando a fé.
* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP