A acumulação de lixo já é tratada em termos geomorfológicos: fala-se sobre “montes” de lixo em aterros, “montanhas”, “ilhas”, “arquipélagos” e até um “novo continente” de detritos no oceano Pacífico. Os problemas ambientais tornaram-se intricados e sua resolução é impossível sem a reunião de todas nossas capacidades dialogais. Neste contexto, as discussões públicas em torno da cúpula do clima nas últimas semanas realçaram a importância de um diálogo específico: o diálogo entre os estudos técnico-científicos e os estudos em ética e humanidades em geral. Ou seja, as soluções para as mazelas socioambientais que herdamos de gerações passadas conjugam necessariamente valores e técnicas, cultura e estatísticas, discursos e algoritmos.
O crescimento econômico como um fim em si mesmo e a produtividade que tende ao infinito encontram barreiras inevitáveis nos limites biofísicos do planeta. A exaltação acrítica da produtividade técnica se desdobra em negacionismos que ignoram o óbvio: os recursos ambientais não são inesgotáveis e indestrutíveis. Jürgen Schuldt afirma que a ânsia por produtividade gerou a “civilização do desperdício” na qual o planeta é visto como um reservatório inexaurível de bens materiais e os cidadãos-consumidores são desnorteados com publicidade massiva e alienante, que encoraja descaradamente o consumo irracional e o desperdício. Além disso, é necessário ressaltar que as revoluções tecnocientíficas não ficaram confinadas à produtividade comercial, mas se desdobraram na produtividade da indústria militar. Ou seja, a sociedade de consumo em massa também é uma sociedade de destruição em massa como se viu nos conflitos armados do século 20. Os arsenais bélicos termonucleares, químicos e biológicos podem literalmente destruir a biosfera e o futuro da espécie humana.
É evidente que o desenvolvimento de novas tecnologias menos danosas ao meio-ambiente é imperativo, contudo, não basta combater destruição ambiental com tecnologia, é necessária mudança drástica de postura e comportamento das sociedades. Ademais, é crucial dizer que a educação baseada tão-somente no currículo técnico-científico é incompatível com os valores de uma sociedade democrática. Em tempos recentes, uma das defesas mais notáveis da importância das humanidades nos programas educativos foi realizada pela filósofa Martha Nussbaum nos Estados Unidos. A discussão se deu em um contexto simples: a administração Obama enfatizou desproporcionalmente a educação técnica. Nussbaum argumentou que uma sociedade sem apreço pelo estudo de artes, cultura, religião, filosofia e humanidades em geral é incapaz de gerar cidadãos conscientes dos vínculos de solidariedade fundamentais para a ordem democrática. Na obra Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades, Nussbaum afirma que uma democracia cheia de cidadãos sem empatia inevitavelmente gera novas formas de marginalização e estigmatização, piorando os problemas ao invés de resolvê-los. Além disso, uma sociedade que idolatra a produtividade e só sabe pensar em “educação voltada para o lucro” mina as bases culturais da democracia. Nussbaum afirma que a democracia “se baseia no respeito e na consideração, e estes, por sua vez, se baseiam na capacidade de perceber os outros como seres humanos, não com simples objetos”. Educação técnica, ética e ambiental caminham juntas numa sociedade democrática.
* Davi Lago é pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo