O dia amanheceu ensolarado em Brasília e nublado no Rio de Janeiro, atual e a antiga capital do país – duas cidades onde Jair Bolsonaro, o líder da extrema-direita demonstrará de vez a sua pequenez diante da História de um grande país, o Brasil.
Sim, não há esperança de que o presidente fale aos 200 milhões de brasileiros no histórico bicentenário da Independência, unindo o país ao menos em um dia. Ele falará a uma parte, cerca de 30% da população que resolveu abraçar o totalitarismo de suas ideias.
Por isso, o dia de hoje carrega em si um misto de emoções. Por um lado, 200 anos de liberdade que veio com um “o grito no Ipiranga”. Por outro, nem todos se sentem verdadeiramente livres para sair às ruas nesta quarta-feira, 7 de setembro, mesmo dois séculos depois.
Lembra os piores momentos dessa História do Brasil com o Dia da Pátria.
Há 50 anos, em 1972, a ditadura militar usou a bandeira verde amarela para sufocar – e há relatos de tortura com ela, a bandeira – aqueles que discordavam do fechamento do Congresso, da troca de ministros do Supremo, de assassinatos em prédios públicos, da censura à imprensa.
Era ainda o sesquicentenário. Não que fosse pouco, era muito tempo.
Mas hoje, em 2022, o mesmo símbolo do país virou o troféu de uma ideologia que prega que aquele tempo – o do regime militar – estava certo mesmo quando os quartéis, construídos em sua essência para proteger brasileiros, eram usados para torturar, matar e ocultar corpos de nossos próprios compatriotas, os presos políticos.
Este é o resumo do bicentenário. Óbvio que é mais complexo que isso, mas há muitos pontos de contato.
Enquanto a bandeira está novamente sequestrada, as Forças Armadas outra vez apontam as baionetas contra aqueles cidadãos que divergem de quem ataca o Congresso, o Supremo e a imprensa com ofensas. São os generais nas mãos do capitão reformado, e que ganhou a patente ao fim de uma medíocre carreira militar.
Essa é aquela hora que o bolsonarista grita e esperneia que o líder da extrema-direita brasileira é perseguido pelos jornalistas. Não é. Ele, com seu comportamento antidemocrático, precisa ser responsabilizado pelos seus atos.
Como agiria um presidente que fosse estadista?
Ele respeitaria o sentimento coletivo sobre as datas simbólicas, e também apoiaria a diversidade de opiniões e os valores universais que regem uma democracia.
É o momento em que as diferenças não são o combustível do ódio, mas fazem parte do gozo da celebração.
Nos anos de 2011 e 2012, vivi esse tipo de celebração do 4 de julho em Berkeley, nos Estados Unidos, quando cursava um mestrado em jornalismo investigativo.
Sob o comando de Barack Obama, um país pacificado marchou. Republicanos e democratas caminharam juntos, gritando pela soberania (no bom sentido) de uma nação. Vi a bandeira ser alçada acima da ideologia, acima das cores políticas.
Pode parecer utopia, mas era bem real nas ruas da Califórnia há 10 anos.
De lá para cá, os norte-americanos viveram tempos difíceis sob um governo que também flertou com o autoritarismo. Para o bem daquele país, já terminou. Mas o mundo vive esses arroubos da extrema-direita vencendo pelo voto democrático, e esgarçando os fundamentos da República.
No Brasil, há um fenômeno único. O de um país que viveu uma ditadura, errou ao não fazer uma Justiça de Transição e acabou aprisionado num pesadelo pior, onde a tortura contra o adversário, por exemplo, é exaltada.
Emparedados pelo bolsonarismo e essa visão de mundo extremista, aqueles que não concordam com o presidente e seus seguidores provavelmente procurarão os lugares distantes da Esplanada dos Ministérios e de Copacabana para passarem o mais importante feriado do país em 200 anos.
Ou seja, quem não é bolsonarista viverá hoje como um exilado ou um peregrino, bem longe das festas da própria terra em que nasceu.