Lula sempre foi bom em discursos, mesmo falando de improviso. Desde as greves no ABC, quando comandava somente os metalúrgicos e não todo o povo brasileiro, como fez entre 2003 e 2010, era segurando o microfone, olhando nos olhos do público e buscando as palavras “na alma” – como ele já confidenciou – que a estrela política brilhava.
Entre erros e acertos neste ano, com algumas boas escorregadas – ou ruins, no caso – o ex-presidente finalmente encontrou o tom. E não foi entre petistas, onde fica mais à vontade. Foi na convenção do PSB, partido com um histórico de alianças de esquerda, e que indicou um improvável vice, Geraldo Alckmin.
Improvável há um ano.
Porque – agora – os dois demonstram uma sintonia e tanto. Ao ver Lula e Alckmin, parece até aquele time de futebol que contratou dois jogadores bem diferentes – que ninguém nunca achou que pudessem jogar juntos em uma mesma equipe – mas se encaixam perfeitamente.
Meio Bebeto e Romário, o do futebol.
Alckmin passa, Lula chuta para o gol. Lula dá de letra e Alckmin acerta o gol de fora da área.
Foi assim nesta sexta-feira, 29.
Em Brasília, em meio a alguns exageros, Lula disse: “Há seis meses, pouca gente acharia possível o que está acontecendo hoje. Estamos fazendo a mais importante aliança já feita entre os partidos democráticos desse país”.
Enquanto o petista pregava a convertidos dizendo que o “povo está saturado, está enojado, cansado, de tanta mentira, fake news e destruição”, Alckmin tentava falar ao eleitorado bolsonarista-raiz: “Eu quero dizer a esses brasileiros: Bolsonaro falhou com vocês.”
Depois, a dobradinha se repetia. E dando sempre certo, bem mais que o capitão e o general.
Enquanto o ex-governador afirmava que o “plano ardiloso [de Bolsonaro] contra a democracia fracassou e as urnas irão livrar o Brasil de todo o mal que ele causou”, o ex-presidente explicava que é preciso “estabelecer uma relação de respeito com as Forças Armadas [para] recuperar a normalidade no Brasil”.
E assim foram os dois políticos – dos mais experientes do país – gerando um clima de normalidade com a vitória. Isso, contra um dos presidentes que – no exercício do mandato e fora dele – já surpreendeu saindo do nada para voltar a vencer, quando ninguém mais acreditava.
O Brasil se acostuma com suas novidades. Eu não, confesso.
Nunca me acostumei com um presidente que idolatra a tortura e humilha o torturado, ainda mais quando, ao fazer isso, é alçado ao cargo mais importante do país.
Também parece difícil de acreditar ao ver o petista mais petista de todos, com o ex-tucano mais tucano que os outros, agora juntos. E como se o país tivesse sido sempre assim. O mais difícil de crer é justamente por isso: porque eles estão jogando – de verdade – muito bem.