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Marcos Emílio Gomes

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A coluna trata de desigualdade, com destaque para casos em que as prioridades na defesa dos mais ricos e mais fortes acabam abrigadas na legislação, na prática dos tribunais e nas tradições culturais
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Qual será o sabor da jabuticaba sanitária brasileira?

Em novo capítulo do desencontrado combate à covid, a vacinação é tão lenta, incerta e contaminada pela polarização política que não se sabe se dará certo

Por Marcos Emílio Gomes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 mar 2021, 18h19 - Publicado em 29 mar 2021, 18h14
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  • De saída do ministério das Relações Exteriores, Ernesto Araújo deixa consolidada sua intenção de transformar o Brasil em um pária da comunidade internacional, ajudado pelo governo ao qual serviu e continuará servindo.

    Além da diplomacia, a situação relativa do país piorou consistentemente na economia e nos índices de desenvolvimento social, acentuando nossa posição cada vez mais desigual no cenário internacional.

    Para efeito de comparação, se o Brasil há alguns lembrava uma favela que tinha conquistado eletricidade estável, começava a ter água encanada e planejava uma rede esgotos, agora se parece com uma comunidade atingida por um furacão, em que até a maioria dos barracos tem risco de desabar.

    Mas são as ações contra a pandemia que nos colocam numa posição de destaque absoluto em relação aos países desenvolvidos, principalmente pela criação de uma jabuticaba sanitária.

    Adotou-se no Brasil um conjunto desencontrado de ações. A ciência manda ficar em casa, o presidente estimula a circulação nas ruas e a população supostamente mais esclarecida, polarizada, divide-se entre uma determinação e outra.

    Isso só faz crescer as filas nas portas dos hospitais e determina a pior sorte aos que não têm como evitar o transporte público, a guerra pela sobrevivência diária e, em consequência, o risco de encontrar o vírus.

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    Na montanha russa de emoções e medidas antipandemia que a população brasileira enfrenta há mais de um ano, numa luta por enquanto aparentemente perdida, qualquer cidadão, confinado ou não, olha esperançosamente para as vacinas, mas afetado por uma dúvida consistente: será que vai dar certo ou a imunização será mais um galho dessa nossa jabuticabeira?

    Independentemente de encontrar e punir os culpados pela situação atual – em que o Ministério da Saúde mais reduz a perspectiva da quantidade de vacinas disponíveis a curto prazo do que informa sobre a chegada de novos lotes de imunizantes –, há várias razões para que se suspeite de que a vacinação, apesar da esperança que une o ministro Paulo Guedes à monja Coen, terá no Brasil um efeito relativo na contenção da crise sanitária.

    O problema começa na gotejante disponibilidade de imunizantes, segue pela insegurança quanto à eficácia de longo prazo das vacinas em uso no país, passa pela incerteza de sua eficiência contra as variantes do coronavírus e estaciona – mas não termina – na instabilidade política que contamina o combate à pandemia com a divulgação de remédios milagrosos, a ação pró-covid do governo federal e a atuação de oposição marqueteira do governador mais poderoso.

    O cenário no Reino Unido e em Israel, dois países em que o processo de imunização foi levado a sério, mostra por enquanto que, havendo velocidade na vacinação, colhem-se efeitos positivos muito rapidamente.

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    Na Inglaterra, onde vacinação já passou dos 50% da população adulta, foram liberadas a partir de hoje, dia 29, reuniões de até seis pessoas em espaços abertos e já se tem uma data – dia 12 de abril – para reabertura dos tradicionais pubs, depois de três meses de lockdown verdadeiro e de abrangência nacional. Pela primeira vez em seis meses, não houve nenhuma morte em Londres ao longo de um dia, conforme dados divulgados no domingo, 28.

    Em Israel, onde a imunização começou em dezembro e qualquer pessoa maior de 16 anos já pode ser vacinada, um estudo assinado por seis pesquisadores das áreas de matemática, estatística e biologia e ainda não revisado oficialmente analisou contaminações e mortes por covid na população de mais de 60 anos entre os meses de janeiro e fevereiro.

    O trabalho concluiu que houve redução de quase 50% nos casos de hospitalização e perto de 30% de diminuição de óbitos nessa faixa etária comparando os números ao longo de 21 dias.

    A mesma pesquisa analisou casos de cidades que tiveram vacinação antecipada e descobriu porcentagens ainda maiores de redução de óbitos e hospitalizações de idosos na comparação com outras localidades.

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    Se essas situações estimulam otimismo quanto a resultados da vacinação, é difícil que se possa absorvê-las como válidas para o Brasil, diante das diferenças não só nas políticas sanitárias, mas também no comportamento da população.

    Não há notícia nesses países de manifestações prestando tributo a caixas gigantes de cloroquina, como a que foi fotografada recentemente no Rio Grande do Sul, nem de banhistas derrubando tapumes em praias, como aconteceu no último final de semana no litoral norte de São Paulo.

    Os dados disponíveis no Ministério da Saúde demonstram que mais de 80% dos brasileiros com mais de 80 anos já foram vacinados, mas ainda é cedo para ver o efeito desse pequeno avanço nos diagnósticos de covid, nas internações e nos óbitos.

    Em termos mais amplos e proporcionais, a vacinação no país é tão irrisória e lenta que provavelmente não será possível fazer estudos semelhantes ao de Israel nem alcançar um nível de certeza que permita segurança para agir como a Inglaterra mesmo que os números da pandemia se reduzam.

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    O sabor da nossa jabuticaba sanitária não será conhecido pelas estatísticas. Será provado na prática.

    (Você pode comentar este texto no site Ora Essa!, em ambiente seguro, neste link e também, a partir de agora, seguir a coluna Ora Essa! no Twitter.)

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