O ano era 2004 e a divisão especializada em crimes ambientais da Polícia Federal ainda não havia completado três anos quando a suspeita de um caso raro, de difícil comprovação, chegou ao conhecimento de delegados em Brasília. Um estrangeiro, seguido de perto por agentes federais em Campo Grande (MS), era suspeito de estar coletando seres vivos não pelo seu simples valor comercial, mas para explorá-los em escala industrial, em outro país.
Trata-se do primeiro caso documentado de biopirataria no Brasil, como conta o delegado aposentado Jorge Pontes, colunista de VEJA. Em seu novo livro, Guardiões da Natureza, ele refaz a trajetória do setor da PF que começou como uma mera ideia e se tornou uma referência dentro da corporação — em parte por causa de operações inéditas, como aquele que ficou conhecido como Caso Roloff.
“Naquele momento, apesar da biopirataria já ser bastante falada, era muito pouco comprovada”, escreve Pontes.
O alemão Carsten Roloff levantou suspeita de policiais federais por suas longas incursões em áreas rurais em locais que não eram turísticos, além de seu comportamento nessas viagens. Os agentes monitoraram Roloff à distância e observaram que ele sempre se afastava das estradas e examinava árvores, revirava pedras e o solo, uma rotina incomum. Em suas passagens por aeroportos no Mato Grosso o Sul, Distrito Federal e Pernambuco daquele ano, vestígios de material biológico foram identificados em aparelhos de raio-X.
Após dias acompanhando seus passos, a equipe policial conseguiu uma autorização judicial para entrar no quarto de hotel de Roloff à procura de provas e não tiveram dificuldades para comprovar as suspeitas: o alemão guardava aranhas em garrafas plásticas e saboneteiras, que foram fotografadas enquanto o estrangeiro estava em uma de suas caminhadas. Era o suficiente para comprovar que ele estava roubando seres vivos de forma ilegal.
Roloff coletava aranhas venenosas da espécie Acanthoscurria atrox, que pertencem à família das tarântulas. Ele também levava ootecas, que são um tipo de casulo onde as fêmeas depositam centenas de ovos. As aranhas e os casulos eram enviados a laboratórios na Alemanha e na Suíça. O interesse era no potencial químico das espécies: nos laboratórios, seriam extraídas toxinas para desenvolvimento de pesquisas. É o que se chama de bioprospecção, e no caso investigado pela PF havia o claro interesse de que os próprios laboratórios pudessem lucrar com as descobertas feitas com espécies roubadas no Brasil. Roloff acabou detido em flagrante, mas a legislação brasileira não conta com um tipo penal que puna a intenção de praticar biopirataria, e o próprio tráfico de animais silvestres é considerado um delito de menor potencial ofensivo. O resultado: o alemão prestou depoimento e assinou um Termo Circunstanciado de Ocorrência, mas foi liberado.