O juiz Marcel Peres, da 6ª Vara Federal de Salvador, determinou a suspensão do leilão em que a prefeitura colocou à venda um terreno público localizado dentro de uma Área de Proteção Ambiental Permanente. O certame, marcado para esta sexta-feira, 15, vem sendo alvo de protestos de ambientalistas e de vereadores de oposição. Eles acusam o prefeito Bruno Reis (União Brasil) de favorecer politicamente seu padrinho político e antecessor, ACM Neto, que faz parte de um grupo de empresários interessados em construir o edifício no entorno do terreno, em uma das áreas mais valorizadas da cidade. A prefeitura afirmou que vai recorrer da decisão.
Na liminar, o magistrado rebate a uma petição apresentada pelo município, alegando que o leilão abriria “tão-somente a possibilidade de utilização do chamado potencial construtivo que é inerente à área”. A argumentação do poder público municipal casa com a do grupo de empresários.
À VEJA, representantes do grupo empresarial afirmaram em janeiro, na condição de não serem identificados, que pretendem adquirir a área desafetada para aumentar a capacidade construtiva do empreendimento. A previsão é erguer um prédio de 24 pavimentos. Caso o negócio seja efetivado com a prefeitura, o grupo não só poderá aumentar o número de pavimentos para 36, um ganho de 50%, mas também passará a ter acesso ao mar, o que o projeto original não tem.
Os empreiteiros garantem que não vão fazer qualquer intervenção no terreno. Moradores do entorno e ambientalistas duvidam. Salvador tem um longo histórico de flexibilizações no ordenamento do uso do solo para atender ao apetite imobiliário, com empreendimentos cada vez mais altos e que nem sempre respeitam as leis ambientais.
O magistrado afirmou na decisão que “mesmo que haja previsão atual de vedação à edificação, a simples desafetação e consequente transferência do imóvel para o domínio privado poderá acarretar, de acordo com as máximas de experiência, importante pressão futura sobre o local ambientalmente protegido”. “Não é desarrazoado fazer tal antecipação, diante do histórico até mesmo envolvendo imóveis situados na região, além da possível deficiência das atividades de fiscalização”, concluiu.
O terreno de 6.699 metros quadrados de vegetação nativa localizado na Encosta da Vitória, com vista privilegiada para a Baía de Todos os Santos, foi colocado em leilão em fevereiro, por R$ 10,9 milhões. A prefeitura manteve o certame, mesmo após recomendação do Ministério Público Estadual pela suspensão por estar em desacordo com a legislação ambiental.
Nesta quarta-feira, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública, com pedido de liminar, contra o município de Salvador com o objetivo de impedir o leilão. Além da suspensão em caráter liminar, o órgão pede à Justiça que o leilão seja anulado em definitivo e declare a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Municipal 9.775/2023, que autorizou este e outros terrenos serem desafetados.
A ação destaca que não seria razoável supor que um terreno cujo lance inicial em leilão ultrapassa os R$ 10 milhões ficará intocado e preservado pelos particulares que venham a adquiri-lo. Para o órgão, autorizar o leilão significa permitir – senão imediatamente, mas a longo prazo – a construção de outros imóveis numa região já exaustivamente degradada.
Entidades ambientais e vereadores protestam
O terreno será negociado em meio a protestos de entidades ligadas à proteção do meio ambiente, que argumentam que o lote é não-edificável por se tratar de uma Área de Preservação Permanente (APP), e de vereadores de oposição, que acusam Reis de usar terra pública para beneficiar interesses de seu padrinho político.
Trata-se do segundo passo do prefeito neste sentido. Em dezembro passado, na última sessão do ano, a Câmara Municipal de Salvador, de maioria governista, aprovou, sob intensos protestos nas galerias, um projeto de lei que autorizava a prefeitura a desafetar 40 terrenos públicos, sendo 15 deles áreas verdes. Ao desafetar um terreno, a prefeitura muda sua característica original e permite que ele seja alienado, vendido e até doado.
Na ocasião, vereadores de oposição afirmaram que a medida estava sendo aprovada sem a devida discussão com a sociedade. O argumento é que parte desses terrenos são áreas verdes criadas como contrapartidas oferecidas ao município pela iniciativa privada para a construção de condomínios.
É o caso do terreno da Encosta da Vitória. Logo após as desafetações, a Promotoria de Justiça de Proteção da Moralidade Administrativa e do Patrimônio Público recomendou que, antes de proceder a alienação dos terrenos, a prefeitura especificasse o interesse público da medida, demonstrando ser vantajoso para o coletivo.
“A prefeitura descumpre a lei que ela própria aprovou ao não garantir que as áreas desafetadas, quando vendidas, tenham algum interesse social”, disse a vereadora Marta Rodrigues (PT). Ela chama a atenção para outros terrenos desafetados, que deveriam ser destinados prioritariamente à construção de escolas e postos de saúde, também serão entregues à iniciativa privada.
Esse foi o quarto lote de desafetações desde 2014, num total de 113 áreas públicas. Em dezembro, Reis afirmou que a prefeitura arrecadou 9 milhões de reais com a venda de 14 terrenos. Sobre o último lote, disse que os espaços classificados como áreas verdes “não têm mais vegetação nenhuma”. “Não significa que serão vendidos”, afirmou na ocasião a jornalistas.
Em nota, a prefeitura argumenta que a venda de terrenos públicos “tem como objetivo fomentar o desenvolvimento econômico e social em áreas prioritárias da cidade”, e que os recursos arrecadados com a venda da Encosta da Vitória serão investidos em áreas carentes da cidade.
A íntegra da nota:
A Prefeitura de Salvador esclarece que a venda de terrenos, por meio do Edital de licitação nº 001/2024, foi autorizada pela Lei Municipal nº 9.775 – aprovada pela Câmara de Vereadores, em dezembro de 2023. A medida tem como objetivo fomentar o desenvolvimento econômico e social em áreas prioritárias da cidade.
A gestão municipal informa que há um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado com o Ministério Público estadual (MP-BA) que estabelece o rito para a alienação de áreas do município. Após a aprovação do referido projeto pela Câmara, novas recomendações foram feitas este ano pelo MP-BA e o TAC foi ampliado, incluindo as novas sugestões.
Na última segunda-feira (11), houve uma reunião entre membros da Prefeitura e do Ministério Público para dirimir dúvidas existentes em relação ao assunto, após um promotor de Justiça ter feito uma recomendação. A Prefeitura acredita que a reunião foi proveitosa e reforça que a venda dos terrenos trará benefícios para a cidade, em especial para as áreas mais carentes, visto que os recursos serão aplicados em obras e investimentos para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Em relação às Áreas de Preservação Ambiental (APAs), é importante destacar que a alienação é permitida por fundamentos legais, desde que sejam respeitadas as diretrizes das legislações ambiental e urbanística. Nesse sentido, a Prefeitura tem adotado todas as medidas necessárias para assegurar a preservação do meio ambiente e o cumprimento da legislação.
Em relação especificamente à área da Vitória, que tem sido amplamente discutida, a Prefeitura reitera que não pode haver edificações no local, visto que é uma APA. Esta área, vale informar, foi doada por um condomínio à Prefeitura como contrapartida ao pagamento de IPTU e não tem uso público. Inclusive, a própria população não tem acesso a este local. A desafetação desta área, que continuará a ser de proteção ambiental e não pode ter construções, visa arrecadar recursos para investir em regiões carentes da cidade.
Sobre a decisão judicial, a Prefeitura informa que irá recorrer e apresentar todos os esclarecimentos, com a mesma transparência que vem mantendo ao longo do processo.