Como mostrou reportagem de VEJA desta semana, as investigações sobre os assassinatos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips tiveram avanços nos últimos meses, revelando como funcionava a quadrilha por trás dos crimes e suas conexões com o poder público. Antes disso, porém, o inquérito caminhava a passos lentos.
As investigações sobre o episódio já completam quase vinte meses — o duplo homicídio ocorreu no dia 5 de junho de 2022, no Vale do Javari, na região de Atalaia do Norte, no extremo oeste da Amazônia. Inicialmente, a apuração foi conduzida pelo delegado Alex Perez, da Polícia Civil do Amazonas. Depois, ficou sob responsabilidade do delegado Lawrence Guimarães Cunha, da PF do Amazonas — ele foi transferido para outro estado em março de 2023 e deixou o caso.
O inquérito só começou a avançar mais rapidamente em abril, quando foi transferido para Brasília e ficou sob o comando do delegado Francisco Badenes Júnior. A mudança levou a novas prisões e ao indiciamento do peruano Ruben Dario da Silva Villar, o Colômbia, apontado como mandante do crime e chefe de uma organização criminosa que atua no Brasil e nas fronteiras com o Peru e a Colômbia.
Considerado peça-chave nesse esquema de ilegalidades, Colômbia tem conexões com o poder político local. Nos últimos meses, a PF colocou no alvo aliados do suposto mandante. No dia 18 de janeiro, prendeu Jânio Freitas de Souza, apontado como seu informante e braço direito. Ele era funcionário na prefeitura de Atalaia do Norte, onde ocupava o cargo de auxiliar de serviços gerais, com salário de 1.200 reais — seu nome deixou de integrar a folha de pagamento em agosto de 2022, logo após os assassinatos de Bruno e Dom. Em depoimento à PF, ao qual VEJA teve acesso, testemunhas afirmaram que Colômbia tem contratos com as prefeituras de Atalaia do Norte, Tabatinga e Benjamin Constant para transporte fluvial, incluindo o traslado de professores até comunidades ribeirinhas e indígenas. Ele possui pelo menos 22 embarcações em seu nome. A suspeita é de que os contratos sejam firmados por meio de empresas de fachada ou laranjas. Um relatório da Polícia Judiciária mostra que três de sete empresas que fecharam contratos com as prefeituras têm servidores ou ex-servidores de Benjamin Constant como proprietários. Nenhuma empresa contratada tem embarcações vinculadas ao seu CNPJ. Outro ponto que reforça as suspeitas é que a maioria não tem funcionários registrados.
Relação com outro assassinato
Os investigadores descobriram ainda vínculos importantes entre o duplo homicídio e a execução de outro indigenista, Maxciel Pereira dos Santos, servidor da Funai (Bruno Pereira também havia sido servidor da Funai), morto a tiros em 2019, em Tabatinga. O caso ficou parado por meses, mas foi retomado após as mortes de Bruno e Dom e também está nas mãos do delegado Badenes. Os dois inquéritos avançam juntos, com compartilhamento de provas e depoimentos.
Para a PF, a organização por trás dos assassinatos é transnacional e atua com pesca e caça ilegais, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, desvio de recursos públicos e corrupção. A instituição agora tenta esmiuçar suas conexões com servidores públicos, políticos locais e até com a cúpula da Funai na gestão Jair Bolsonaro.
Funai
Em uma reviravolta, uma decisão do desembargador Ney Bello, do TRF-1, em novembro, paralisou parte do inquérito. Ele atendeu um pedido da defesa e determinou a suspensão das investigações contra o ex-presidente da Funai Marcelo Xavier e seu vice Alcir Amaral Teixeira. Os dois foram indiciados por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, em razão de omissão no caso de Bruno e Dom. O juiz considerou que Xavier “não possuía ingerência direta sobre as forças de segurança” e que os indiciamentos se basearam só no cargo ocupado por ele.