O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) afirmou lamentar “profundamente” a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve a anulação do júri da Boate Kiss e disse que o desfecho “revitimiza a todos” e “gera a sensação de injustiça”. Com a decisão, nesta terça-feira, 5, as penas dos quatro réus foram anuladas — eles foram condenados por homicídio qualificado e tentativa de homicídio em razão do incêndio na casa noturna de Santa Maria (RS), em janeiro de 2013, que matou 242 pessoas e deixou outras 600 feridas.
“O MP-RS respeita a decisão do STJ, mas lamenta profundamente que o recurso da instituição não tenha sido aceito”, diz a Promotoria. “O Ministério Público se solidariza com as vítimas e seus familiares e entende que a demora na finalização do processo revitimiza a todos e gera a sensação de injustiça”, conclui o MP, que afirma ainda que continuará “lutando pela responsabilização de todos os envolvidos”.
Elissandro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da boate Kiss, e Luciano Bonilha e Marcelo de Jesus, produtor e vocalista, respectivamente, da banda que se apresentava no local, foram condenados a penas que variavam entre 18 anos e 22 anos e seis meses de prisão.
A anulação do júri realizado em dezembro de 2021 não significa que os quatro condenados pela tragédia foram inocentados. Com a extinção da decisão do colegiado após irregularidades no rito processual (leia abaixo), um novo tribunal do júri está previsto para dezembro, na primeira instância gaúcha. Em entrevista nesta terça-feira, o promotor-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Alexandre Saltz, afirmou que, após a decisão do STJ, ainda há a possibilidade de apresentação de um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, como já há a previsão de novo júri para dezembro, a Promotoria irá analisar junto aos familiares das vítimas quais serão os próximo passos.
Tropeços
Em dezembro de 2021, o Tribunal do Júri condenou à prisão os quatro envolvidos por homicídio qualificado de 242 pessoas e tentativa de homicídio contra outras 636. As defesas dos acusados, no entanto, apontaram possíveis irregularidades no rito processual e recorreram ao TJ-RS, que acatou a tese dos advogados e anulou o resultado do júri.
O TJ-RS decidiu pela nulidade por quatro motivos principais: irregularidades na escolha dos jurados — inclusive com a realização de um sorteio fora do prazo previsto pelo Código de Processo Penal (CPP) –; a realização, durante a sessão de julgamento, de uma reunião reservada entre o juiz presidente do júri e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público; ilegalidades na elaboração dos quesitos; e a suposta inovação da acusação na fase de réplica.
A partir de então, a decisão foi contestada pelo MP-RS e, depois de parecer da subprocuradora-geral da República, Raquel Dodge, o processo foi enviado à 6ª Turma do STJ.
Para o relator no STJ, Rogério Schietti Cruz, as defesas dos réus não demonstraram o prejuízo concreto que teriam sofrido, ao apontar supostas ilegalidades no julgamento do júri, o que impede — ao contrário do que entendeu o TJ-RS — o reconhecimento de nulidades. Outras nulidades mencionadas pelos advogados, segundo o ministro, foram atingidas pela preclusão (perda do direito de se manifestar nos autos em razão da perda de prazo processual).
Os votos dos outros quatro ministros da 6ª Turma do STF foram contrários ao de Schietti — o teor central da discordância se deu pela impossibilidade de admissão de uma reunião “secreta” do juiz com jurados e pelo reconhecimento de ilegalidades na elaboração dos quesitos.