Da classe política se espera que a criação de gastos seja compatível com a responsabilidade fiscal. Déficits não podem acarretar trajetória insustentável para a dívida pública. A insolvência do Tesouro provocaria, entre outros danos, queda de confiança, inflação sem controle e redução do potencial de crescimento. No Brasil, todavia, a maioria não pensa assim. É alheia à restrição orçamentária — isto é, o limite para realizar gastos, dado pela receita disponível e pela capacidade de endividamento.
A rigidez orçamentária é inédita no planeta. No orçamento para 2024, a margem para gastos discricionários é de apenas 55 bilhões de reais, correspondentes a 2% das despesas primárias — que excluem encargos financeiros — ou a 1% dos gastos totais. No mundo, as despesas obrigatórias são, em média, 50% do total. Aqui, perfazem 99%, representadas basicamente por Previdência, pessoal, educação, saúde e gastos sociais.
Na origem do processo está a Constituição, influenciada pela ideia de reduzir pobreza e desigualdades via gastos públicos. Grupos poderosos reservaram para si gorda parcela do orçamento. Um generoso regime previdenciário consome metade das despesas primárias.
“No Brasil, remunerações e aposentadorias mensais acima de 100 000 reais são um escândalo”
O Judiciário e o Ministério Público conseguiram aprovar uma regra inédita, a de propor seu orçamento diretamente ao Congresso, sem passar pelo Executivo. A inovação lhes permitiu fixar supersalários, aos quais se somam muitos penduricalhos. Remunerações e aposentadorias mensais acima de 100 000 reais são um escândalo quando metade dos servidores públicos ganha pouco mais de 3 000 reais por mês.
A partir de 1989, os gastos federais cresceram em ritmo superior ao da expansão da economia. Por isso, a carga tributária saltou de 22% para 34% do PIB. O endividamento chegou perto de 100% do PIB recentemente. O teto de gastos foi uma ideia bem pensada para encerrar esse processo suicida. Não funcionou, pois frustrou-se a expectativa de que ele criaria o ambiente para enfrentar a situação.
Até então, resolvia-se o problema mediante mais arrecadação tributária e mais dívida, mas o modelo se esgotou. Agora, pressões para rever orçamentos começaram antes mesmo do que se imaginava. O novo arcabouço fiscal tende a se tornar tão inviável quanto o teto de gastos.
O futuro da economia depende essencialmente da recuperação da flexibilidade para gerir o orçamento público e definir prioridades. Isso demandará liderança política para mudar regras como a da vinculação de impostos à educação. O país não pode despender, proporcionalmente, uma vez e meia o que gasta a China nessa área ou até mais do que as nações ricas.
É preciso enfrentar supersalários e outros excessos orçamentários, incluindo emendas parlamentares e os fundos eleitorais. Infelizmente, não temos no país lideranças para tanto. Lula, ao contrário, piorou a situação ao restabelecer os reajustes reais do salário mínimo e criar um piso para os investimentos. Difícil dizer se há tempo para esperar.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860