O teto de gastos mudou a lógica do processo de ajuste fiscal no Brasil. Antes, salvo raras ocasiões em que era possível cortar despesas, o acerto se fazia mediante elevação da carga tributária ou da dívida pública. Foi esse arranjo que permitiu acomodar gastos crescentes por cerca de trinta anos. O modelo, que fazia a dívida aumentar incessantemente, se esgotou e impôs a necessidade do teto.
Essa lógica ainda não foi de todo incorporada ao pensamento da sociedade, incluindo parlamentares e gente do governo. A discussão sobre o Renda Brasil é um perfeito exemplo dessa situação. É frequente ouvir-se que é preciso conseguir a receita, como a CPMF, para viabilizar o programa. Nada a ver. O Renda Brasil só será viável se houver margem no exíguo espaço do teto de gastos, o que parece não ser o caso, ou mediante o cancelamento de despesas já existentes. Não adianta, portanto, dispor de mais receitas.
O próprio ministro Paulo Guedes não teria entendido essa lógica, o que parece difícil de acreditar. De acordo com o noticiário, ele teria sugerido ao presidente Jair Bolsonaro que fosse eliminado o privilégio das classes médias e ricas, que podem abater despesas com educação e saúde na declaração anual do Imposto de Renda. Isso não resolveria, pois o problema está na ausência de margem no teto de gastos para financiar o programa.
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Clique e AssineAgora, surgiu uma dificuldade intransponível. O presidente não aceitou a proposta da equipe econômica, de viabilizar o Renda Brasil recorrendo-se a cortes de despesas de programas sociais mal focalizados, a saber: o abono salarial, o salário-família, o seguro-defeso e a farmácia popular. Bolsonaro não aceitou e disse, enfaticamente, que a proposta não seria encaminhada ao Congresso.
Aqui reside uma dificuldade intransponível, pois atender ao que deseja o presidente implicaria: em que o Renda Brasil fosse robusto o suficiente para alavancar sua popularidade (e não os R$ 247,00 propostos); não cancelar outros programas sociais; e o quase certo estouro do teto de gastos, com sérias consequências econômicas e sociais: perda de confiança dos investidores, fugas de capital, desvalorização cambial, volta da inflação alta e elevação da taxa de juros. Um desastre.
A combinação dessas três condições acarretaria danos à reputação do ministro da Economia, que dificilmente manteria seu papel de infundir confiança nos mercados. A escolha poderia ser a de pedir demissão. É difícil dizer o que vai acontecer, mas uma coisa é certa: caso ceda à vontade de Bolsonaro, Paulo Guedes terá que abandonar seu projeto de revolução liberal e em seguida alistar-se no cordão dos populistas inconsequentes.