O Brasil precisa reformar seu sistema orçamentário para elevar a qualidade das políticas públicas, evitar o desperdício de recursos e reduzir o potencial de corrupção. Nascido na Babilônia, o orçamento associou-se ao longo do tempo à democracia. Avanços destacados aconteceram em três revoluções: a Gloriosa inglesa (1688), a Americana (1776) e a Francesa (1789), que transferiram a supremacia do poder ao Parlamento, incumbindo-o de aprovar a peça orçamentária anual, que define as prioridades do país.
Estamos distantes dessa realidade. Antes de 1964, havia, como hoje, excessos nas emendas ao Orçamento. O Congresso elevava o déficit orçamentário com vistas a favorecer redutos eleitorais, o que acarretava pressões inflacionárias. Diante disso, o regime militar proibiu as emendas parlamentares, mas piorou institucionalmente as finanças públicas. Despesas com subsídios passaram a constar do Orçamento Monetário (OM). O Banco do Brasil se valia do acesso a uma “conta movimento” para realizar empréstimos e compras de produtos agrícolas. O Banco Central operava como banco de desenvolvimento. Tudo se financiava mediante expansão da dívida pública, que era autorizada pelo Conselho Monetário Nacional e não pelo Congresso.
“Há má alocação de recursos, com redução da produtividade e do potencial de crescimento”
Nos anos 1980, essas práticas foram eliminadas. O OM foi extinto. A Constituição restaurou o poder do Congresso de emendar o Orçamento, mas o festival de antes renasceu. Visões antigas sobreviveram. Para o presidente da Câmara, Arthur Lira, “quanto mais intervenções o Congresso Nacional fizer no Orçamento, tenham certeza: mais o Brasil esquecido será ouvido. Nós somos o elo e a voz dos nossos 5 568 municípios”. Incrível. Como mostrou o Estadão (16/9/2023), emendas beneficiaram empresas de aliados políticos, incluindo empreiteiras, distribuidoras e até o posto de gasolina de um parlamentar. Marcos Mendes, professor do Insper, estimou que as emendas representam 25% das despesas discricionárias da União (as não obrigatórias), o que não tem paralelo no mundo. Mendes evidenciou que catorze países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico não emendam o Orçamento ou o fazem em valores negligíveis, abaixo de 0,01% da despesa discricionária. Em dez países, as emendas não chegam a 2%. Nos EUA, alcançam 2,3%.
A maioria dessas emendas, continua Mendes, representa gastos locais que atendem a interesses eleitorais ou pessoais de parlamentares. O STF proibiu as chamadas emendas Pix, que eram transferidas diretamente a estados e municípios, sem exigência de projetos ou justificativas. Apesar disso, o mecanismo continuou. De modo geral, o excesso de emendas implica má alocação dos recursos, o que contribui para reduzir a produtividade e o potencial de crescimento da economia.
Há que discutir seriamente o nível e a destinação das emendas parlamentares, eliminando suas inequívocas distorções. O valor poderia ser limitado, por exemplo, a 5% dos gastos discricionários, o que seria o dobro do percentual atingido no processo orçamentário americano.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912