“Não abrirei mão da responsabilidade fiscal. Entre as muitas lições de vida que recebi de minha mãe, dona Lindu, aprendi a não gastar mais do que ganho”, disse o presidente Lula em pronunciamento feito ontem à noite por rádio e TV.
Vista isoladamente, a frase pode ser interpretada como um compromisso com a gestão responsável. Aos menos avisados, demonstraria a disposição de evitar o agravamento da situação fiscal. Ocorre que isso exigiria apoio irrestrito à geração de superávits primários e, assim, a garantia de que o país não enfrentaria uma trajetória explosiva na relação dívida/PIB. Estaríamos salvos de uma crise fiscal e de suas graves consequências.
Não é bem assim. Lula gasta mais do que arrecada desde o primeiro mandato. A situação piorou no seu terceiro período à frente do governo. No acumulado em doze meses até maio deste ano, o déficit nominal atingiu mais de 1 trilhão de reais, equivalentes a 9,6% do PIB, cifra que tem subido sistematicamente desde a posse do atual mandato.
Se fosse realmente fiel aos cânones da responsabilidade fiscal, Lula teria apoiado as opiniões dos seus ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), que chamaram a atenção para o crescimento dos gastos previdenciários, cuja expansão se acelerou depois que o governo restabeleceu os aumentos reais do salário-mínimo, que reajustam cerca de dois terços dos benefícios previdenciários.
Ao lado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Lula desautorizou iniciativas para desvincular o salário mínimo dos rendimentos de aposentados e pensionistas. Cálculos do próprio governo mostram a irresponsabilidade dessa vinculação. Estima-se que, em dez anos, a política acarretará gastos adicionais de 1,3 trilhão de reais, superando as economias obtidas com a reforma da Previdência de 2019 (800 bilhões de reais).
Mais de uma vez, o presidente declarou que não admitirá cortes nos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que aumenta a rigidez orçamentária e dificulta a obtenção de superávits primários. Além disso, tem descartado sistematicamente qualquer ideia de eliminar a vinculação de receitas a despesas de educação e cultura, o que é absolutamente necessário.
Responsabilidade fiscal não é uma mera questão retórica. Não basta uma frase como a que ele pronunciou ontem. Dificilmente a opinião pública e o mercado financeiro aceitarão, pelo valor de face, declarações públicas de que Lula está comprometido com a boa gestão fiscal. Ele pode aceitar, aqui e ali, propostas da área econômica para efetuar cortes de despesas, animando os mercados. É preciso saber, todavia, se há disposição de adotar medidas duras em momentos difíceis, como acontecerá se a crise fiscal piorar, o que é provável. Tal situação exigirá ações corajosas que contrariarão a visão de mundo de Lula e do PT, segundo a qual a despesa é o principal fator de geração de crescimento da economia. Gasto é vida. Esse será o grande teste. A ver.