Dois ministros europeus das Finanças são lembrados por seus feitos no cargo: Raymond Poincaré (França) e Hjalmar Schacht (Alemanha). O primeiro resolveu a grave crise financeira de 1926 e estabilizou a moeda com o apoio de um bem-sucedido padrão-ouro. O segundo venceu a hiperinflação de 1923, quando presidia o Banco Central. Ministro das Finanças na década de 30, reduziu drasticamente o desemprego.
Sucessos como os citados costumam acalentar a esperança de que um bom ministro da Fazenda pode resolver os mais intrincados problemas da economia. Era essa a expectativa em torno de Paulo Guedes, cujas promessas entusiasmaram empresários e jovens profissionais de instituições financeiras. Desconfio que desconheciam a história daqueles ministros e as condições políticas que levaram à aprovação de suas propostas.
A fé em Guedes derivava de suas credenciais acadêmicas, da vivência no mercado financeiro e de sua designação como “Posto Ipiranga”, que seria a fonte de informação econômica do presidente Jair Bolsonaro. Para reforçar o papel e a força do ministro, cinco pastas foram congregadas em um superministério.
O superministro anunciou uma agenda de reformas à altura de Margaret Thatcher, a primeira-ministra britânica (1979-1990) líder da revolução liberal que reverteu a estagnação da economia. Veríamos a venda de todas as empresas estatais brasileiras e dos imóveis da União — arrecadando 2 trilhões de reais —, ampla abertura da economia e superávit fiscal já no primeiro ano do governo.
“O liberal Guedes patrocinou um calote e contrariou o ideal iluminista de proteção dos direitos”
Analisado pelos resultados, o ousado programa fracassou. O ministro subestimou as restrições culturais, institucionais e políticas à sua agenda de reformas. Confundiu quantidade de atribuições com poder de realizar grandes mudanças. Provavelmente ignorou que não bastavam suas ideias liberais — as quais apoio —, e que elas requeriam liderança política para conquistar o apoio da sociedade (69% se opõem à privatização, segundo o Datafolha). O presidente não possuía esse ingrediente fundamental. Era contra ideias do ministro, não entende como funcionam as instituições e não detém as qualidades requeridas pelo nosso presidencialismo, em especial a articulação política para obter a aprovação das propostas no Congresso.
Não é suficiente ter um ministro conhecedor da área econômica e dos desafios. O presidente é a figura mais relevante. Máxima ironia, o liberal Guedes patrocinou um calote nos precatórios. Contrariou o ideal iluminista da proteção de direitos numa economia moderna, inclusive os de propriedade.
Pedro Malan, de credenciais acadêmicas semelhantes, foi um dos melhores ministros da Fazenda do Brasil. Contou com sua experiência no setor público e com a liderança de um presidente que fez a diferença.
P.S. Usei o termo Fazenda e não Economia para designar o ministério. A mudança nunca fez sentido e já havia fracassado no governo Collor. Torço para que o próximo governo restabeleça o original.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769