O presidente Lula tem afirmado que é preciso enquadrar o Banco do Brasil. “Vamos fazer bancos públicos virarem bancos públicos. Não queremos que bancos públicos tenham prejuízo, mas não queremos que tenham os mesmos lucros dos bancos privados. Eles têm que prestar função social.” E acrescentou: “Se não tiver orientação, a burocracia do Banco do Brasil age como banco privado”.
Não é tão simples assim. Lula necessita conhecer a realidade do BB, que teve início depois da extinção da “conta movimento”, em 1986. Essa conta lhe permitia acesso ilimitado a recursos do Banco Central, sem qualquer custo. Dessa forma, era possível financiar a atividade econômica, particularmente a agricultura, a taxas abaixo do mercado e ainda assim auferir bons lucros. Interpretava-se que essa transferência de recursos cumpria regra do artigo 19, § 1º, da Lei 4.595/1964, que dizia: “O Conselho Monetário Nacional assegurará recursos específicos que possibilitem ao Banco do Brasil, sob adequada remuneração, o atendimento dos encargos previstos nesta lei”. Ocorre que o CMN não era fonte de geração de receitas. Os recursos deveriam provir do Orçamento da União, o que não acontecia.
“A instituição é empresa de capital aberto, com maioria do Tesouro em seu capital”
A pesquisa acadêmica nunca se preocupou em investigar por que uma instituição financeira que praticamente não captava depósitos do público era tão eficaz em conceder crédito em volume elevado e a juros subsidiados. O BB chegou a ser o oitavo maior banco do mundo. A ausência de estudos desse tipo talvez decorresse do “milagre econômico”, período em que tudo dava certo na economia. O PIB cresceu 11% ao ano entre 1968 e 1973.
A perda do acesso à “conta movimento” acarretou queda de receitas do BB e enormes dificuldades. Assim, no primeiro mandato de FHC, realizou-se uma operação de “salvamento”, caracterizada por forte aumento da participação do Tesouro no capital do banco. Nos quatro anos da administração do presidente Paulo César Ximenes (1995-1998), o BB foi reestruturado e preparado para operar no mercado financeiro de forma competitiva, explorando todas as atividades asseguradas aos bancos comerciais. Foi um grande sucesso, que lhe daria nova e eficiente face.
Ao contrário das afirmações de Lula, o BB é uma empresa de capital aberto com maioria do Tesouro em seu capital. A rigor, a exemplo do que ocorre com bancos estaduais alemães, o controle acionário poderia ser visto essencialmente como forma de permitir ao governo federal auferir rentabilidade superior ao custo da dívida pública mobiliária. Claro, o BB tem tradição e competência em prestar serviços ao governo, inclusive na concessão de crédito subsidiado. Só que, diferentemente do passado, ele deverá ser suprido de recursos oficiais e remunerado de forma apropriada, e não porque Lula manda.
Se Lula “enquadrasse” o BB, incluindo a redução de lucros, a intervenção constituiria abuso do acionista controlador, punível pela Comissão de Valores Mobiliários. O BB não precisa passar por isso.
Publicado em VEJA de 1º de março de 2023, edição nº 2830