Lula não acabou com a farra fiscal de Bolsonaro
Na comparação entre os dois governos, Lula se sai pior em termos fiscais
Em entrevista nesta segunda-feira, 17, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que, ao contrário do que se diz, o governo prima pela responsabilidade fiscal. Para ele, Lula acabou com a “farra fiscal” de Jair Bolsonaro. O ministro reagia à percepção do mercado, de piora da situação fiscal, o que tem acarretado alta dos juros futuros, dólar mais caro e revisões das projeções sobre a trajetória da inflação. Tudo isso tem contribuído para desancorar as expectativas, o que provavelmente levará o Comitê de Política Monetária do Banco Central a manter a taxa Selic de 10,5% na reunião da próxima quarta-feira.
Chame-se de farra ou não, os gastos federais aumentaram mais no governo Lula. Bolsonaro, é verdade, adotou, nos meses anteriores às eleições presidenciais de 2022, várias medidas populistas para turbinar sua popularidade e assegurar sua reeleição. Uma delas mais do que triplicou o valor dos benefícios do programa Auxílio Brasil (como ele rebatizou o Bolsa Família), cujo valor passou para 600 reais (antes, era de 190 reais). Outra foi a redução compulsória do ICMS (um tributo estadual) sobre gasolina, diesel e gás de cozinha. Finalmente, o calote nos precatórios, estabelecendo o pagamento de apenas uma parte anual dessas obrigações. O valor final seria pago em 2027.
Na realidade, Lula manteve o valor de 600 reais para o Bolsa Família e criou um auxílio adicional de 150 reais por criança de famílias beneficiadas com o programa. Ainda no período de transição, antes de assumir o cargo pela terceira vez, Lula propôs (e o Congresso aprovou) a PEC da Transição, que acarretou gastos adicionais de 145 bilhões de reais, a serem despendidos em dois anos, os quais não foram considerados no teto de gastos. É preciso reconhecer que a excessiva rigidez orçamentária poderia criar dificuldades intransponíveis para a gestão do governo, mas isso não permite imaginar que a medida tenha sido neutra para a situação fiscal do país.
O melhor indicador para avaliar a postura fiscal dos governos Bolsonaro e Lula é o resultado primário estrutural calculado pela Instituição Fiscal Independente – IFI, o qual não computa eventuais efeitos transitórios e choques imprevisíveis de curto prazo. Olhado por esse ângulo, o período Bolsonaro é, em termos fiscais, inequivocamente melhor do que o do primeiro ano de Lula. Com populismo e tudo, nos dois últimos anos de Bolsonaro (período melhor para a comparação, pois exclui os gastos com a covid-19), o resultado primário dos gastos federais exibiu superávits de 0,58% do PIB em 2021 e de 0,19 do PIB em 2022. No primeiro ano de Lula, houve um déficit de 1,65% do PIB.
O ministro Padilha pode recorrer a muitas outras comparações que apontam resultados melhores para Lula, incluindo a retomada de políticas ambientais responsáveis, o abandono do negacionismo e o isolamento internacional. No confronto fiscal, todavia, o ganhador é Bolsonaro. O ministro buscou acalmar o mercado financeiro, o que não conseguiu, principalmente porque seus economistas especializados em contas públicas se conectam mais com a realidade dos números do que com a retórica. No exato momento em que este texto era escrito, a Bolsa caía, os juros futuros subiam e o dólar tinha passado de 5,40 reais.