Inicio meu consultório, quase que diariamente, às duas da tarde. Muitas vezes sem hora para sair. Aproveito as manhãs para operar e passar visitas aos pacientes internados. Rotina de praticamente todos os cirurgiões.
Já a postos, peço para a minha secretária chamar o primeiro paciente da agenda, esperando atender pessoas com problemas de saúde, na grande maioria das vezes bastante graves (devido a minha especialidade) e que necessitam de ajuda e orientação precisa, finalidade para a qual me preparei por décadas. Mas, na verdade, acabo por enfrentar, muitas vezes, problemas nada médicos. Dificuldades que sequer fui alertado durante o curso médico, mas que acabam por tomar boa parte da agenda, quase sempre já repleta.
O paciente “primeira vez”
O primeiro paciente atendido naquele dia, se tratava de uma “primeira vez”, como costumamos chamar um paciente que nunca passou em consulta com determinado médico. Ao se apresentar, ele diz que tem sentido sinais de problema no fígado (órgão frequentemente culpado de todos os males pelos quais não é responsável), apresenta dores de cabeça e boca amarga com muita frequência e, antes mesmo de qualquer exame físico, sugere um check-up. Explico a ele que antes de solicitar qualquer exame, preciso examiná-lo; e assim o faço. Ao final do exame clínico, solicito alguns poucos exames subsidiários e auxiliares à análise médica e o entrego a solicitação, uma vez que não há qualquer indício de gravidade no caso.
Até aqui, parece tudo muito normal e o leitor deve estar se perguntando: Qual a razão deste texto?
Caro amigo! A partir de agora você passará a entender.
Este mesmo paciente, então, retruca: “- Mas doutor, o Sr. vai pedir apenas estes poucos exames? Eu esperava que o Sr. pedisse tudo que eu tenho direito! Na verdade eu pago uma fortuna por mês de seguro de saúde e nunca precisei de uma internação. Então doutor, peça tudo, vamos fazer um check-up e aproveite para fazer um pedido semelhante para a minha esposa. Daí já aproveitamos e ‘matamos dois coelhos com uma única cajadada!'”.
A consulta que poderia ter sido na sua totalidade médica, passa então a ser “filosófica”. Passo a explicar para ele que não há necessidade de mais exames do que eu já solicitei e que o valor do seguro de saúde está tão alto, por causa de pedidos como o dele que, eventualmente aceitos, oneram de forma injustificável o custo da saúde. Quanto à solicitação dos pedidos para a esposa, tento gentilmente (se é que isso é possível) dizer que se eu assim fizesse estaria cometendo uma fraude, além de estar faltando com a ética em prescrever alguém que sequer conheci. Esta “primeira vez”, deixa o consultório, aparentemente, chateada.
Corrupção: um reflexo social
Vão entrando os próximos pacientes e, após esclarecidas as razões médicas que os fizeram me procurar, gostaria de dividir com os leitores frequentes problemas ocorridos: um deles, por exemplo, é o do paciente que pede a minha secretária, na hora do pagamento da consulta, que divida o recibo em dois e ainda dá opções: pode ser metade com a data de hoje e metade com a data de daqui a dois meses ou, se preferir, pode ser metade em meu nome e a outra metade em nome do meu filho, pois assim consigo a restituição do seguro em dobro.
Confesso que tenho pena da D. Mara, minha secretária há 18 anos, que explica ao paciente, como se fosse a primeira vez, que isso não é possível, pois apenas ele foi consultado e o valor da consulta tem que ser emitido em um único recibo.
Ao mesmo tempo, que problemas médicos se tornam filosóficos com parte dos pacientes, enfrentamos as dificuldades do seguro de saúde em aceitar nossos tratamentos e passamos boa parte do dia, preenchendo e descrevendo relatórios como objetivo de justificar tal procedimento, como se, a princípio os seguros tivessem que os considerar inadequados e, por isso, obrigam-nos a dizer que não estamos fraudando o sistema ou sugerindo procedimentos inadequados para benefícios escusos.
Formado médico há mais de 30 anos, amo a minha profissão (como tenho certeza para a quase a totalidade destes profissionais), mas confesso que temo o futuro da saúde brasileira, não só pela incerteza do futuro nacional, mas também pela condição a que chegamos, onde a regra é não se acreditar em mais ninguém.
Que país é esse?!! Me parece que somos o reflexo de uma sociedade do “me engana que eu gosto”, dos políticos que perderam toda a credibilidade (mesmo os poucos honestos – que acredito que existam), dos “Gersons” da vida, aqueles que querem levar vantagem em tudo….
Talvez só eu esteja cansado de lutar contra a corrente…. ou talvez, estejamos todos cansados! Caso isso seja verdade, rogo a cada um que mude a sua atitude no dia a dia e que aproveite a próxima e talvez única esperança de votar naqueles que nunca o decepcionaram e que demonstram seriedade, ética, honestidade e vontade de lutar por um Brasil melhor!!
Quem faz Letra de Médico
Adilson Costa, dermatologista
Adriana Vilarinho, dermatologista
Ana Claudia Arantes, geriatra
Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
Antônio Frasson, mastologista
Artur Timerman, infectologista
Arthur Cukiert, neurologista
Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
Bernardo Garicochea, oncologista
Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
Claudio Lottenberg, oftalmologista
Daniel Magnoni, nutrólogo
David Uip, infectologista
Edson Borges, especialista em reprodução assistida
Fernando Maluf, oncologista
Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
Jardis Volpi, dermatologista
José Alexandre Crippa, psiquiatra
Ludhmila Hajjar, intensivista
Luiz Rohde, psiquiatra
Luiz Kowalski, oncologista
Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
Marianne Pinotti, ginecologista
Mauro Fisberg, pediatra
Miguel Srougi, urologista
Paulo Hoff, oncologista
Paulo Zogaib, medico do esporte
Raul Cutait, cirurgião
Roberto Kalil, cardiologista
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
Salmo Raskin, geneticista
Sergio Podgaec, ginecologista
Sergio Simon, oncologista