Em 1990 iniciou-se o Projeto Genoma Humano, com o ambicioso objetivo de desvendar por completo a nossa genética. Quando em 2001 foi publicado o primeiro rascunho do nosso genoma, criou-se a expectativa que “o maior segredo da vida” estava desvendado e de que “em breve” as pessoas não teriam mais doenças genéticas. Hoje, quase 30 anos depois, sabemos que estes objetivos eram utópicos e que não estamos nem perto de alcançá-los. Porém muitos avanços aconteceram, que em um primeiro momento nos permitiram conhecer profundamente as causas de milhares de doenças raras (como a fibrose cística, atrofia muscular espinhal, anemia falciforme, hemofilia) e até gerar tratamentos inéditos, seguros e eficazes para algumas delas. Seguiu-se uma segunda etapa de avanços tecnológicos que nos permitiram conhecer um pouco sobre o componente genético de doenças mais comuns, que tem uma influência mas não são totalmente determinadas pela genética, como diabetes, câncer, acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio, obesidade, autismo e diversas doenças mentais. O conhecimento sobre doenças evoluiu nos últimos anos para pesquisas que visam investigar e compreender aspectos do ser humano não relacionados diretamente à doença, como a capacidade de aprender, a formação da cor da pele, dos olhos, do cabelo, formato da face, altura, índice de massa corporal, e comportamentos como a agressividade e preferência sexual. Comparando milhares de genomas de indivíduos que variam quantitativamente nestes aspectos, os pesquisadores começam agora a compreender que parcela destes traços são influenciados pela genética. Estes estudos, quando feitos em populações, são tão valiosos e importantes quanto os que se referem a doenças. Afinal, compreender a Saúde também é compreender a falta dela. Mas como já aconteceu inúmeras vezes na história do ser humano, a busca pelo ser humano “ideal”, sem doenças e dentro de um modelo estereotipado de perfeição, acaba trazendo à tona, novamente, o fantasma e os perigos da Eugenia.
O QUE É EUGENIA?
O conceito de “eugenia” começou com as ideias de Francis Galton, cientista que era primo de Charles Darwin e viveu entre 1822 e 1911. Dalton era primo mais novo de Charles Darwin (1809-1882), e quando Darwin publicou seu famoso livro “On the Origin of Species – A Orígem das Espécies” em 1859, Galton passou a ter idéias muito deterministas em relação ao componente genético da Inteligência, que foram colocadas em seu livro publicado em 1869, “Hereditary Genius – O Gênio Hereditário). Se por seu lado o primo Charles Darwin trouxe as idéias da Seleção Natural, Galton propôs a Seleção Artificial para o aprimoramento da população humana segundo os critérios considerados melhores à época. Galton achava que as pessoas já nasciam com uma vasta diferença na capacidade intelectual, tão grande que nenhuma disparidade social, econômica ou educacional conseguiria interferir de modo importante nesta predeterminação genética. Atribui-se a ele pensamentos como; “Um homem notável teria filhos notáveis”; ”A raça humana poderia ser melhorada caso fossem evitados “cruzamentos indesejáveis”; “Devemos incentivar o nascimento de indivíduos mais notáveis ou mais aptos na sociedade e desencorajar o nascimento dos inaptos”. Galton, reunindo duas expressões gregas, eu geneía (“bom nascimento”), criou em 1883 o conceito de Eugenia. Ele era antropólogo, geógrafo, explorador, inventor, meteorologista, estatístico, psicólogo. Mas o que lhe fascinava acima de tudo era a genialidade e a herança biológica. Galton acreditava que, se conseguíssemos encontrar a maneira de quantificar essa hereditariedade, poderíamos controlá-la e produzir humanos melhores, como fazemos com o gado e com as plantas. Entre o final do século 19 e o começo do século 20, havia uma tendência de reprodução seletiva. Se um humano era considerado indigno de transmitir sua hereditariedade a gerações futuras, poderia ser esterilizado contra sua vontade. Estas ideias prosperaram nos Estados Unidos, aonde a Eugenia ganhou contornos mais negativos: o controle de quem se reproduziria e quem não teria esse direito. Em meados de 1920, esterilizar pessoas era legal em alguns Estados americanos. Em 1927 foi emitida uma decisão sobre a constitucionalidade da esterilização por eugenia. Se a eugenia era popular antes desse veredito, a partir desse momento, era lei. Nos anos 30, nos Estados Unidos, surdos, cegos, epiléticos, indivíduos com deficiência intelectual e até pobres eram esterilizados, já que a pobreza tinha seu próprio diagnóstico médico: o pauperismo. Qualquer pessoa considerada um obstáculo para o sucesso da sociedade estava em risco. Cerca de 60 a 70 mil indivíduos foram esterilizados nos Estados Unidos. Seguindo os passos do movimento eugênico norte-americano, na Alemanha Nazista, as ideias de Eugenia retornaram como filosofia de Estado. A ”Lei de Prevenção de Prole com Doenças Hereditárias” foi assinada em 1933, e permitia a esterilização compulsória de qualquer cidadão que de acordo com uma “Corte de Saúde Genética” sofria de uma lista de desordens “potencialmente hereditárias”, sendo que muitas destas doenças sequer eram de causa genética. Ao final do regime nazista cerca de 400 mil pessoas haviam sido esterilizadas contra suas vontades. A partir de então, o mundo compreendeu a capacidade de injustiça, desigualdade e destruição contida na eugenia. Mas de tempos em tempos, como se houvesse uma amnésia coletiva, a história se repete, e caminhamos novamente para momentos em que corremos riscos da Eugenia se restabelecer.
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ESCORES DE RISCO POLIGÊNICOS, A NOVA FERRAMENTA DA GENÉTICA PARA AVALIAR O COMPORTAMENTO GENÉTICO DE CONDIÇÕES MÉDICAS QUE NÃO SÃO DETERMINADAS APENAS PELA GENÉTICA
O brutal avanço na capacidade de analisar o DNA de maneira mais eficiente, rápida e menos cara, propiciou uma nova ferramenta para o geneticista: uma nova modalidade de Teste Genético Preditivo vem sendo cada vez mais cogitada. É a possibilidade de analisar o código genético para tentar obter informações preditivas sobre a saúde de pessoas que sequer tenham conhecimento de parentes afetados por alguma doença com componente genético. Estas promessas do Projeto Genoma Humano, que até então ainda eram ficção científica, começaram a decolar em direção a uma realidade próxima. Há muito tempo se sabia que o componente genético de doenças e traços físicos complexos são dados não pelas peculiaridades de um único gene, mas sim pela somatória da participação de vários genes, o que os geneticistas chamam de “efeito poligênico”, associadas a influência do meio ambiente. Pois é justamente a capacidade atual de em um único exame analisar centenas ou milhares de posições no material genético ao mesmo tempo, que está permitindo o cálculo de “Escores de Risco Poligênicos”. Não se trata de um teste diagnóstico, mas sim com o objetivo de rastreamento de grupos em alto ou baixo risco para determinadas condições multifatoriais. Traz uma estimativa de risco, não uma garantia da presença ou ausência daquela condição. A proposta é identificar indivíduos em alto risco (por exemplo, aqueles 3% que tem risco mais elevado), e que seriam candidatos a testes diagnósticos, observação médica, ou medidas de prevenção, como por exemplo mudanças comportamentais. Em maio de 2018, em artigo publicado na revista Nature Review Genetics, pesquisadores norte-americanos do “The Scripps Research Institute” demonstraram que já são capazes de, ao investigar variantes em um conjunto de genes de uma pessoa, predizer através de um “Escores de Risco Poligênicos”, quem está em risco maior ou menor de desenvolver doenças muito frequentes e graves, como Diabetes mellitus tipo 2, Alzheimer, câncer de Mama e de próstata, assim como de doença arterial coronariana. Os “Escores de Risco Poligênicos” já chegam ao ponto de poder predizer com razoável segurança a idade na qual a pessoa vai iniciar a demonstrar sinais da doença, os benefícios que modificações no estilo de vida podem proporcionar a quem tem estes riscos genéticos, e o impacto de cuidados médicos baseados nestes testes, além de demonstrar quais intervenções e rastreamentos são prioritárias. Em um outro artigo científico publicado em agosto de 2018 na Nature Genetics, pesquisadores do Broad Institute do MIT e Harvard, Massachusetts General Hospital e Harvard Medical School, ampliaram o mesmo tipo de análise para incluir “Escores de Risco Poligênicos” não só para diabetes, câncer de mama e doença arterial coronariana, mas também arritmias cardíacas e doença inflamatória intestinal. Saber quem está em risco elevado de desenvolver estas doenças tão frequentes ameaçadoras, parece ser desejável pela Sociedade. Mas o avanço colossal traz consigo a pergunta inevitável: Existe um limite do que podemos e queremos saber sobre nossas características físicas, comportamentais, nossa Saúde e nossa falta de Saúde?
ESCORES DE RISCO POLIGÊNICOS COMEÇAM A SER UTILIZADOS PARA AVALIAR O COMPONENTO GENÉTICO DE ASPECTOS NÃO MÉDICOS
O limite do que precisamos saber parece estar sendo alcançado (ou ultrapassado?) quando passamos da necessidade de compreender porque ficamos doentes, para a curiosidade de compreender porque somos diferentes um do outro. Com o barateamento da capacidade de analisar todo o Genoma, alguns pesquisadores vem utilizando os ESCORES DE RISCO POLIGÊNICOS para investigar possíveis diferenças genéticas de aspectos como a Inteligência, rendimento escolar, variabilidade da cor da pele, dos olhos, do cabelo, formato da face, altura, índice de massa corporal, e comportamentos como a agressividade e preferência sexual.
Um dos mais respeitados investigadores desta linha de pesquisa é o Geneticista comportamental Robert Plomin, do renomado Kings College of London. Nos últimos anos o grupo de pesquisa liderado por Plomin publicou dezenas de artigos científicos tentando demonstrar a utilização de ESCORES DE RISCO POLIGÊNICO para predizer vários aspectos relacionados a Inteligência e rendimento escolar. Ao comparar ao mesmo tempo milhares de pontos do material genético de uma pessoa, se propõem a predizer se uma criança nasceu no grupo das “geneticamente mais aptas” ou das “geneticamente menos aptas”. E baseados nestas previsões, estimar quais crianças tem mais chance de serem admitidas em escolas privadas, quais terão a iniciativa de querer cursar uma Universidade, quais chegarão a Universidade e quais não. E a partir destas probabilidades, medidas serão sugeridas, como por exemplo separá-las em classes diferentes.
Por outro lado Empresas de genética forense já oferecem serviços para, a partir de uma amostra de DNA, também baseados nos ESCORES DE RISCO POLIGÊNICO, prever a cor dos olhos, cabelo e pele, assim como a aparência facial (https://snapshot.parabon-nanolabs.com).
A UTILIZAÇÃO DOS ESCORES DE RISCO POLIGÊNICOS PARA SELECIONAR EMBRIÕES POR FUTURAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E COMPORTAMENTAIS
Se é possível testar o DNA de crianças para determinar um ESCORE DE RISCO POLIGÊNICO para características físicas e comportamentais, e para estimar a Inteligência e a capacidade de aprender, e assim concluir que existem crianças geneticamente predeterminadas a ter menores escores de QI, qual seria o próximo passo? Selecionar embriões pelo Escore Poligênico para Inteligência e implantar no útero de suas mães apenas os embriões com mais predisposição genética a serem mais inteligentes… A esta altura você deve estar pensando; “Já ouvi esta história alarmista e exagerada antes, e isto nunca se concretizou”. Então peço ao leitor que acesse agora o site da Empresa norte-americana Genomic Prediction (https://genomicprediction.com/epgt), e verá que tais testes já estão sendo oferecidos comercialmente e já foram inclusive realizados, de acordo com declarações de Laurent Tellier, CEO da Genomic Prediction!!! Na modalidade “Expanded Pre-Implantation Genomic Testing“, a Empresa oferece ESCORES DE RISCO POLIGÊNICO em embriões gerados por Fertilização in vitro. A Empresa afirma que não testa os embriões para “Inteligência Aumentada”, mas apenas para “deficiência intelectual“. Segundo Stefen Hsu, CEO da “Genomic Prediction”, o teste já oferecido pela Empresa não é capaz de predizer o QI de cada embrião, mas pode dizer quais embriões tem uma chance de ter um QI 25 pontos abaixo da média (https://www.newscientist.com/article/mg24032041-900-exclusive-a-new-test-can-predict-ivf-embryos-risk-of-having-a-low-iq). Ressalte-se que não se trata de um Laboratório tecnicamente desqualificado, mas sim com certificação de qualidade norte-americana. Se recente pesquisa publicada pelo Laboratório puder servir de guia para entendermos em qual direção seu Teste pre-implantacional está se expandindo, podemos esperar para 2020 a ampliação do teste para a predição da altura e rendimento escolar (https://www.genetics.org/content/210/2/477). As palavras de Stefen Hsu, fundador da Empresa, quando perguntado sobre o uso do teste para selecionar embriões com QI elevado, deixam poucas dúvidas sobre a intenção da Empresa; “Eu acho que pessoas vão querer fazer. Se nós não fizermos, outra Empresa o fará”.
ESTAMOS CIENTIFICAMENTE PRONTOS PARA ESCOLHER O BEBÊ “PERFEITO”?
Sem se aprofundar nos inúmeros questionamentos éticos, filosóficos, morais, legais e sociais que esta pergunta traz de imediato, mas apenas focando neste momento na questão técnico-científica, assumindo que a Empresa Genomic Prediction possa predizer tanto aspectos médicos quanto não-médicos em embriões, seriam todos eles encontrados em um ou mais embriões a serem implantados? Digamos que alguém queira um embrião do sexo feminino com determinada altura, cor da pele, cor dos olhos, inteligência acima da média, sem predisposição a câncer de mama; Haveria um “super-embrião” assim? Este mês, um grupo de pesquisadores liderado por Shai Carmi, da Universidade Hebraica de Jerusalém, resolveu pesquisar a resposta para esta pergunta. Em um artigo científico de excelente profundidade e qualidade (https://www.biorxiv.org/content/10.1101/626846v1), demonstraram que ainda não temos evidências científicas suficiente sobre nossa genética a ponto de, com um ESCORE DE RISCO POLIGÊNICO, atingir resultados que poderiam, em tese, ser utilizados para selecionar embriões pela predição de futura Inteligência ou Estatura final. A equipe imaginou um ciclo hipotético de fertilização in vitro, durante o qual o objetivo principal era identificar embriões com duas características desejadas, guiadas por múltiplos genes – altura e QI aumentados – em comparação com o embrião médio. Embora atualmente um ciclo de fertilização in vitro gere entre três a oito embriões viáveis, a equipe simulou um grande número de filhos para cada casal, colocando uma ênfase particular em 10 embriões, representando o limite superior de quantos embriões a fertilização in vitro pode produzir, mesmo nos futuro, eles explicaram.
Para cada embrião, a equipe usou um modelo genético simples para testar sua altura e QI em potencial com base na literatura conhecida. Os resultados foram surpreendentemente abaixo do esperado; com cinco embriões viáveis, o número médio de tentativas atuais de fertilização in vitro, os futuros pais podem esperar um aumento de quase um centímetro de altura e 2,5 pontos no QI em comparação com o embrião médio. Mesmo com 10 embriões, o limite superior para futuras tentativas de fertilização in vitro, o aumento na altura é de apenas meros três centímetros. Não satisfeita com um experimento de pura simulação, a a equipe de Shai Carmi comparou os resultados simulados aos dados reais observáveis de 28 famílias grandes, cada uma com 10 filhos adultos em média. Os resultados, novamente, foram surpreendentes. Usando o mesmo algoritmo da simulação, eles descobriram que a criança mais alta prevista pelo computador era apenas a mais alta em aproximadamente um quarto das famílias na vida real. Ainda mais estranho, o garoto mais alto previsto costumava ser mais baixo que o irmão mais alto de verdade. “Há muito sobre essas características imprevisíveis”, disse Carmi. “Se alguém selecionou um embrião com um QI que era dois pontos superior à média, isso não é garantia de que realmente resultaria nesse aumento. Há muita variabilidade que não é explicada nas variantes genéticas conhecidas. ”
Em resumo, a pesquisa recém-publicada de Chai Carmi e seu grupo demonstra que o atual conhecimento de genética da Inteligência e da Estatura poderia, ignorando todas as limitações, gerar um ESCORE DE RISCO POLIGÊNICO que, no máximo, permitiria selecionar um embrião que, talvez, viesse a ter um ganho de altura de 2,5 centímetros e um ganho na escala de QI de 2,5 pontos, ou seja, sem nenhuma utilidade prática. E estes números não aumentariam substancialmente se um número maior de embriões puder ser testado. Isto se deve, entre outros fatores, ao fato de que ainda conhecemos pouco sobre o componente genético destas duas características, Altura e Inteligência. O que não está escrito no artigo, mas na mensagem subliminar, é que do ponto de vista científico, é só uma questão de (pouco) tempo, para que os ESCORES DE RISCO POLIGÊNICOS se tornem mais precisos dos que os atuais. É certo que isto acontecerá, agora que testes de todo o Genoma já podem ser realizados com enormes números amostrais, comparando casos e controles, a um custo muitas vezes mais barato que a poucos anos atrás. Sendo assim, esta é a hora de decidir, por exemplo, se como Sociedade, vamos permitir este tipo de teste em embriões, e qual seria o limite deste tipo de seleção.
O BRASIL E O DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTAÇÃO
Cabe aqui ressaltar que não estamos falando do Diagnóstico pre-implantacional já tradicionalmente utilizado para selecionar embriões que carregam alterações genéticas que certamente levarão a doenças graves e muitas vezes até a morte nos primeiros meses ou anos de vida. Mas sim de testes que permitam a seleção de características não-médicas. Apesar de no Brasil não haver Lei específica sobre Reprodução Assistida, há uma Resolução (nº 2.168/2017) do Conselho Federal de Medicina, que define as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida (https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2168) . Em seu Artigo VI trata especificamente do DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉIMPLANTACIONAL DE EMBRIÕES, e esclarece que “As técnicas de RA podem ser aplicadas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças”. Já no Capítulo 1- Principios Gerais – a mesma Resolução deixa claro que “As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para evitar doenças no possível descendente”.
APRENDER DEFINITIVAMENTE COM OS ERROS DO PASSADO PARECE NÃO ESTAR DETERMINADO NEM NA GENÉTICA NEM NO COMPORTAMENTO DO SER HUMANO. UM SÉCULO E MEIO DEPOIS DE GALTON E TRÊS QUARTOS DE SÉCULO DEPOIS DO HOLOCAUSTO, ESTAMOS DE NOVO PREOCUPADOS COM O FANTASMA DA EUGENIA
Apesar de que no mundo acadêmico há muito mais posicionamento contra a seleção de embriões “com QI mais elevado” do que a favor (Tabery J. Why Is Studying the Genetics of Intelligence So Controversial? Hastings Center Report. 2015;45(S1):S9), não há uma unanimidade. Um dos pesquisadores que defende a seleção de aspectos não-médicos nos embriões é Julian Savulescu, do Oxford Uehiro Centre for Practical Ethics, na Inglaterra. Ele criou há oito anos o conceito de “Beneficência Procriativa”, no qual casais ou pessoas solteiras que desejam procriar deveriam selecionar seus futuros filhos para que estes tivessem a melhor vida possível ou pelo menos uma vida uma vida tão boa quanto a dos outros, baseados na informação relevante disponível (Savulescu J. Procreative beneficence: why we should select the best children. Bioethics. 2001;15(5–6):413).
Daniel Kevles, renomado historiador da Universidade de Yale, dedicou boa parte de sua vida a estudar esta obstinação do ser humano em atingir a perfeição. Ao nos esforçarmos para entender e melhorar a condição humana, Kevles pede que não nos esqueçamos da Eugenia porque, ainda que muito tenha mudado desde que Francis Galton concebeu a ideia, há algo que segue igual: os cientistas seguem sendo seres sociais. Ainda segundo Kevles, as perguntas que os pesquisadores fazem podem ser produtos de seus preconceitos sociais. “‘As meninas são melhores em matemática do que os meninos’ ou ‘as pessoas de cor são menos inteligentes do que as outras’… por que fazemos essas perguntas? Também há perguntas sobre as características genéticas da violência, ou do vício. E fazemos essas perguntas porque elas têm uma importância social, política e econômica, não porque sejam inerentemente interessantes”. Acrescento que um pesquisador pode, sim, se interessar em estudar a genética da Inteligência, sem nenhum interesse adicional, e sem a expectativa de encontrar uma diferença genética entre etnias ou genes específicos que contribuam para diferenças individuais na Inteligência. E não só os cientistas tem esta responsabilidade de repensar suas linhas de pesquisas, mas também são responsáveis aqueles que se interessam por aquilo que os cientistas pesquisam e descobrem. Refletir sobre estas palavras de Kevles, como cidadãos, pesquisadores, bioeticistas, filósofos, antropólogos, historiadores, sociólogos, legisladores, políticos, é uma obrigação frente aos desafios do século XXI, tempo no qual o preconceito e a busca paranoica pela perfeição estão mais vivos do que nunca.
REFERÊNCIAS
https://preprod.veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/a-inteligencia-e-hereditaria
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