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Do laboratório ao leito: a epigenética abre caminho ao combate ao câncer

Recentes descobertas em pesquisas nesse campo fornecem uma nova perspectiva para a aplicação de terapias CAR-T a vários tumores sólidos

Por Marcelo Bendhack*
11 jul 2024, 07h46

Um pilar central do nosso sistema imunológico são as células T, que monitoram todas as partes do nosso corpo por meio da corrente sanguínea. Elas podem reconhecer proteínas estranhas produzidas por células cancerosas e penetrar no respectivo tecido para atacar e eliminar especificamente as unidades doentes.

Em 1909, o famoso médico e pesquisador alemão Paul Ehrlich formulou a hipótese de que nosso corpo produz constantemente células degeneradas que são destruídas pelo poder do nosso sistema imunológico. As células cancerosas que, no entanto, escapam dessa vigilância, obviamente conseguem esconder as proteínas-alvo que as denunciam.

Essas percepções sobre o potencial central do nosso próprio sistema imunológico para combater o câncer de forma eficiente levaram, no século XXI, ao desenvolvimento de um novo método extraordinariamente potente de tratamento do câncer, a terapia com células CAR-T.

As células T do próprio paciente são removidas e modificadas fora do corpo em laboratório, de modo que agora carregam um local de ativação e reconhecimento de uma proteína muito específica que as células cancerosas produzem. Quando as células CAR-T modificadas dessa forma são administradas de volta ao paciente, as células cancerosas são especificamente procuradas, reconhecidas, atacadas e destruídas.

Desde 2009, quando a primeira terapia bem-sucedida foi demonstrada em um paciente com leucemia intratável, estima-se que mais de 20 mil pessoas em todo o mundo tenham sido tratadas com esse método.

Os dados mais impressionantes estão disponíveis para leucemias infantis. Nesse caso, 80% das crianças que, de outra forma, não teriam nenhuma outra chance, são realmente curadas.

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A primeira criança a ser salva foi Emily Whitehead, em 2012, que sofria de leucemia linfoblástica aguda (LLA) aos 7 anos de idade. O fim parecia inevitável até que ela recebeu a terapia com células CAR-T do médico Carl June, da Universidade da Pensilvânia. Depois de apenas 22 dias, não havia mais câncer detectável. A menina pôde deixar o leito do hospital e está livre do câncer há 12 anos.

Até o momento, seis produtos diferentes de células CAR-T para o tratamento de vários tipos de câncer no sangue foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos EUA. Alguns deles já estão liberados também no Brasil.

O desafio dos tumores sólidos

Apesar desses sucessos revolucionários em vários tipos de câncer no sangue, o avanço em tumores sólidos ainda não foi alcançado. Os tumores sólidos, como câncer de próstata, mama, pulmão, cólon, entre outros, representam quase 90% de todos os cânceres em adultos e 30% em crianças.

Um grande obstáculo até o momento é que as respectivas proteínas-alvo para a terapia com células CAR-T na superfície das células tumorais não são conhecidas, pois elas devem estar presentes apenas lá, mas não em outras células saudáveis do corpo.

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Somente assim seria possível direcionar as células T exclusivamente para as células doentes. Caso contrário, as células CAR-T modificadas também atacariam as células saudáveis, o que poderia levar a efeitos colaterais indesejáveis.

É exatamente para esse problema central que as novas descobertas científicas do campo de pesquisa da epigenética oferecem agora uma solução. A possibilidade de descobrir proteínas-alvo de células CAR-T até então desconhecidas.

As células cancerosas estão sujeitas a uma considerável desregulação epigenética de seu DNA. Como resultado, são produzidas várias proteínas novas, inclusive as possíveis proteínas-alvo das células CAR-T.

É interessante notar que os genes associados mostram alterações epigenéticas características que revelam essa produção anormal das possíveis proteínas-alvo das células CAR-T. Os tecidos do câncer de próstata de três centros clínicos líderes na Europa foram determinados patologicamente e, a partir deles, todo o DNA foi isolado e todos os genes foram testados em relação às alterações epigenéticas características.

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Os pesquisadores apresentaram uma nova maneira de estudar como as características genéticas são influenciadas por fatores ambientais e de estilo de vida, a chamada epigenética. Eles sugerem que essa abordagem pode ajudar no tratamento do câncer da próstata. Existem modificações específicas do grau de metilação que permitem identificar a superfície de membrana de uma célula tumoral ou fragmentos livres de DNA (também do tumor). Isso representa um mecanismo importante de precisão em medicina.

A equipe de pesquisa da Universidade Heinrich Heine, na Alemanha, em colaboração com o Departamento de Urologia da Universidade Positivo, em Curitiba, conseguiu apresentar novas proteínas-alvo potenciais de células CAR-T para uma possível terapia para o câncer da próstata.

A terapia com células-T é uma forma de tratar o câncer usando as próprias células de defesa do corpo. Para que funcione bem e com poucos efeitos colaterais, é importante encontrar alvos específicos no câncer para as células-T atacarem.

Essa nova perspectiva foi apresentada recentemente em duas publicações científicas. Como demonstrado, trata-se de uma tecnologia de plataforma que poderia ser potencialmente aplicada, inclusive, a todos os tumores sólidos para identificar novas proteínas-alvo de células CAR-T, abrindo uma nova e ampla possibilidade de combate ao câncer.

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* Marcelo Bendhack é médico urologista, uro-oncologista e presidente da Associação Latino-americana de Uro-oncologia (Urola)

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