Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Mês dos Pais: Revista em casa por 7,50/semana
Imagem Blog

Letra de Médico

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Orientações médicas e textos de saúde assinados por profissionais de primeira linha do Brasil

Como a precarização do trabalho médico afeta toda a sociedade brasileira

Secretário-geral da Associação Médica Brasileira expõe problemas do modelo atual e traz propostas para remediar quadro que afeta qualidade da assistência

Por Florisval Meinão*
15 jun 2025, 08h00

Nas últimas décadas, o exercício da medicina no Brasil vem passando por transformações profundas e preocupantes. O que se observa é a consolidação de um modelo de saúde que, embora tenha como base o ideal do Estado de Bem-Estar Social, vem sendo progressivamente moldado por interesses econômicos, gerenciais e mercadológicos que colocam em risco a autonomia médica, a qualidade da assistência e a própria segurança dos pacientes.

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), consagrado pela Constituição Federal de 1988, representou um marco histórico na defesa do direito à saúde como prerrogativa universal, pública e integral. Ao lado do SUS, desenvolveu-se e consolidou-se o Sistema Suplementar de Saúde, que hoje atende cerca de 25% da população brasileira.

Essa coexistência entre os setores público e privado, longe de ser apenas complementar, resultou na transformação da saúde em um setor altamente lucrativo, que movimenta bilhões de reais por ano e envolve interesses diversos — operadoras de planos de saúde, hospitais privados, indústria farmacêutica, além do próprio Estado.

Neste novo cenário, a prática médica deixou de ser marcada pela tradicional relação direta e de confiança entre médico e paciente. Em seu lugar, instaurou-se um sistema intermediado por burocracias, protocolos rígidos, limitações de cobertura e imposições de metas e indicadores de produtividade.

O profissional médico vê-se frequentemente impedido de exercer sua autonomia para solicitar exames, indicar tratamentos ou optar por condutas que julgue mais adequadas ao caso clínico individual, sendo forçado a obedecer às regras e diretrizes estabelecidas por gestores públicos e privados.

Continua após a publicidade

Essa realidade compromete gravemente a qualidade da atenção prestada e gera efeitos colaterais preocupantes: atendimentos cada vez mais breves e impessoais, deterioração do vínculo terapêutico, insegurança na tomada de decisões clínicas, frustração profissional, e — o que é mais grave — desconfiança por parte da população, que percebe a limitação imposta ao médico como um obstáculo ao seu direito pleno à saúde.

Além disso, a fragmentação do cuidado, marcada pela ausência de acompanhamento longitudinal e pela superespecialização desarticulada, favorece a descontinuidade terapêutica e o aumento dos riscos assistenciais. As decisões clínicas, em muitos contextos, passam a ser guiadas por considerações financeiras em vez de serem exclusivamente orientadas pelas necessidades dos pacientes.

A esse cenário se somam dois fatores particularmente alarmantes:

Continua após a publicidade

1. A expansão descontrolada de cursos de medicina, sobretudo no setor privado, sem critérios de qualidade, sem infraestrutura adequada, sem hospitais universitários e sem vagas suficientes em programas de residência médica. Tal processo tem gerado a inserção no mercado de profissionais com formação deficiente, o que compromete a segurança da assistência e o prestígio da profissão.

2. O aumento expressivo da judicialização da saúde, que reflete não apenas as lacunas do sistema em garantir acesso, mas também o crescimento dos conflitos entre usuários, operadoras e profissionais. Médicos vêm sendo cada vez mais responsabilizados por falhas estruturais do sistema, muitas vezes exercendo sua atividade em condições adversas e sem o devido respaldo institucional.

Hoje, o médico brasileiro deixou de ser, em grande medida, um profissional liberal para tornar-se um “prestador de serviço”, submetido à lógica de mercado e à precarização de seus vínculos trabalhistas. Contratos temporários, jornadas exaustivas, ausência de direitos trabalhistas, pressão por produtividade e remuneração desvalorizada tornaram-se realidade cotidiana para muitos.

Continua após a publicidade

Esse processo de precarização impacta não apenas o bem-estar do médico, que sofre com altos índices de estresse, síndrome de burnout e insatisfação profissional, mas também a própria população, que recebe um cuidado cada vez mais mecanizado e menos humano. A qualidade da assistência médica está intrinsecamente relacionada às condições em que ela é prestada — e é impossível oferecer cuidado digno em ambientes que não garantem dignidade ao profissional.

Diante desse cenário, a Associação Médica Brasileira reafirma seu compromisso com a valorização da medicina e de seus profissionais. É urgente que a sociedade, os gestores e os legisladores compreendam que a sustentabilidade do sistema de saúde passa pela construção de um modelo que respeite e fortaleça a autonomia médica, ofereça condições dignas de trabalho e priorize a qualidade da assistência em vez da lógica do lucro.

As nossas propostas são:

Continua após a publicidade

• A regulamentação dos vínculos trabalhistas, com garantia de contratos estáveis e direitos sociais.
• A valorização da remuneração médica, especialmente em regiões de difícil acesso.
• Investimentos consistentes em infraestrutura, para que médicos possam exercer sua função com segurança.
• A revisão da política de abertura de escolas médicas, com critérios rigorosos de qualidade e fiscalização.
• A implementação de políticas públicas que incentivem a fixação de profissionais em áreas carentes, sem abrir mão da formação adequada.

A medicina é uma atividade essencial à vida e ao bem-estar da população. A desvalorização de seus profissionais não é apenas uma afronta à classe médica — é um risco à saúde pública. A luta contra a precarização do trabalho médico é, portanto, uma luta por um sistema de saúde mais justo, eficiente e humano.

* Florisval Meinão é médico especialista em otorrinolaringologia, atual secretário-geral da Associação Médica Brasileira (AMB) e ex-presidente da Associação Paulista de Medicina (APM)

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

ABRILDAY

Digital Completo Anual

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril
De: R$ 16,90/mês Apenas R$ 4,00/mês
OFERTA MÊS DOS PAIS

Revista em Casa + Digital Completo Anual

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 7,50)
De: R$ 55,90/mês
A partir de R$ 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a 1,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.

abrir rewarded popup