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‘Chip da beleza’: regulamentação de implantes hormonais é urgente

Anvisa deve fiscalizar e frear tratamentos que transformam o corpo humano em um playground químico do mau uso de hormônios

Por Clayton Macedo*
5 set 2024, 08h00
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  • É necessário regulamentar, fiscalizar e frear tratamentos que transformam o corpo humano em um playground químico do mau uso de hormônios. Imagine um cenário onde médicos prescrevem, vendem e farmácias magistrais produzem “hormônios mágicos”, “chips da beleza”, fórmulas e soros para felicidade, amor, juventude, menopausa, libido, potência, músculos e emagrecimento. Imagine essas promessas circulando livremente em consultórios, na mídia e nas redes sociais, sem respaldo ético e científico e sem dados confiáveis de eficácia e segurança. Parece exagero? Pois bem, essa é a realidade no Brasil.

    Existe apenas um implante hormonal devidamente aprovado no Brasil: o Implanon, um contraceptivo bem estudado e registrado. Hormônios em dosagens, combinações e vias de administração pouco estudadas e sem aprovação estão sendo produzidos, divulgados e comercializados em larga escala. Essas fórmulas combinam substâncias de forma aleatória em misturas perigosas, vendidas como se fossem a última palavra em saúde e bem-estar.

    O país foi tomado por uma febre de modulação hormonal e implantes oferecidos como soluções milagrosas para tudo. Mas a verdade é que esse mercado tem pouco de milagre e muito de perigo. E quem paga o preço dessa aventura? O paciente, que, na ânsia de resultados rápidos, coloca sua saúde em risco.

    A falta de regulamentação clara está transformando o corpo humano em um verdadeiro laboratório de experimentos. O que não se conta ao paciente é o preço real a ser pago: acne, calvície, virilização em mulheres, infertilidade, impotência sexual, infarto, derrame cerebral, hepatite tóxica, câncer, distúrbios psiquiátricos, entre outras complicações graves, muitas vezes irreversíveis e até fatais.

    Algumas farmácias magistrais estão produzindo implantes hormonais manipulados em escala industrial e se tornando “parceiras comerciais” de médicos que promovem esses tratamentos, transformando a prática médica em uma atividade mercantil. Isso inverte o propósito da manipulação customizada de medicamentos e da autonomia médica.

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    Indústrias travestidas de farmácias criam e ensinam protocolos mirabolantes para o uso indevido de hormônios e recrutam médicos para sua aplicação. Prometem ganhos fáceis e uma prática “revolucionária” que a ciência séria desconhece. Em muitos casos, as próprias farmácias “treinam” os médicos e utilizam “voluntários” — cobaias humanas — para testar a aplicação dos implantes, uma prática absurda em qualquer outro contexto regulatório sério. O resultado é um exército crescente de profissionais despreparados, vendendo soluções sem qualquer evidência robusta de segurança ou eficácia.

    Hormônios como gestrinona, testosterona e oxandrolona são implantados sem critérios. A metformina, um medicamento distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento do diabetes, é vendida em implantes manipulados por preços altíssimos. A ocitocina, usada na indução do parto, é agora colocada em implantes e vendida como solução para melhorar o humor e estreitar laços afetivos, sem qualquer evidência científica para sustentar esse uso, com riscos de efeitos colaterais reais e imprevisíveis.

    Enquanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) hesita, médicos, que deveriam ser guardiões da saúde, se transformam em comerciantes, vendendo implantes hormonais em seus consultórios, em um verdadeiro bazar da modulação hormonal. A falta de regulamentação abre brechas para que práticas perigosas se consolidem e se expandam.

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    Quando falamos de substâncias hormonais — com impactos complexos e graves no organismo — é preciso haver segurança, controle rigoroso, responsabilidade e transparência.

    A proposta recentemente apresentada à Anvisa pelas Sociedades de Endocrinologia e Metabologia, Ginecologia, Medicina do Esporte, Urologia, Geriatria, Cardiologia, Dermatologia, Obesidade, Diabetes, Reprodução Humana, Climatério e Menopausa, Hepatologia, Pneumologia e Oncologia, com o apoio da Associação Médica Brasileira, é clara e objetiva.

    Precisamos de uma regulamentação rígida, que proíba a fabricação e comercialização de hormônios não registrados em doses, combinações e vias de administração, especialmente como implantes manipulados. O uso correto de hormônios deve ser garantido nas indicações e formas farmacêuticas aprovadas.

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    A Anvisa tem a oportunidade e obrigação de reverter a falta de regulamentação, que abre brechas perigosas, permitindo a proliferação do mau uso de hormônios. Este é o momento de a agência mostrar que está ao lado da ciência e da segurança da população. As sociedades médicas que assinam esse pedido não buscam obstruir inovações ou restringir a prática médica. Clamam por responsabilidade, ética e proteção para todos os cidadãos. Ignorar esse apelo seria uma grave omissão.

    Clamamos por uma aliança imediata das nossas entidades com a Anvisa, Ministério da Saúde, Ministério Público, Procon e imprensa. O momento de dar um basta a essa “anarquia hormonal” é agora. Esta é uma defesa urgente da vida.

    * Clayton Macedo é presidente do departamento de Endocrinologia do Exercício e Esporte da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)

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