A neurociência do milkshake: como a comida gordurosa seduz o paladar
Experimento revela como o cérebro se pauta por sensações físicas ao saborearmos alimentos com maior percentual de gordura
Pode parecer estranho, mas um alimento se torna irresistível não só pelo seu sabor, mas também pela textura e a sensação que provoca na boca. Produtos ricos em gordura, como sorvetes e milkshakes, são sedutores para muitas pessoas por essa razão. Despertam sensações físicas na cavidade bucal que, interpretadas pelo cérebro, levam àquela vontade de “quero mais”.
É o que os cientistas chamam de mouthfeel. Ele dá as caras quando uma área do cérebro responde à percepção das qualidades sensoriais de alimentos gordurosos, utilizando essa informação para avaliar quão deliciosa é a comida e orientando, assim, o comportamento alimentar.
Esse fenômeno foi identificado recentemente em um experimento publicado no periódico The Journal of Neuroscience. E não se trata de mera curiosidade.
Entender esse mecanismo é fundamental para buscar estratégias de produzir sensações semelhantes na boca com alimentos menos calóricos, já que a gordura é o nutriente com maior quantidade de calorias por grama (9 kcal/g), enquanto carboidratos e proteínas apresentam 4 kcal/g. Ou seja, o exagero contribui diretamente para o ganho de peso.
Na pesquisa, assinada por um time da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, os especialistas mensuraram a sensação deixada na boca por alimentos gordurosos e analisaram como isso influenciava seus hábitos à mesa. Para tanto, prepararam vários milkshakes com diferentes teores de gordura e açúcar e em diferentes texturas, dos mais densos aos mais suaves.
Depois de provar cada receita, os participantes do estudo deram lances sobre quanto gastariam para beber um copo cheio após a experiência. Os exames cerebrais de acompanhamento mostraram que os padrões de atividade em uma área chamada córtex orbitofrontal (OFC), que está envolvida no processamento de recompensas, refletiam a textura dos shakes.
Os exames também identificaram padrões de atividade no OFC que refletiam as ofertas dos voluntários, sugerindo que essa região do cérebro liga a sensação na boca ao valor atribuído ao alimento. Condicionados assim, os participantes preferiam os alimentos mais gordurosos.
Com isso, a pesquisa mostra que pacientes com córtex orbitofrontal mais sensíveis à textura gordurosa eram mais propensos a comer mais alimentos com maior teor de gordura. Essas descobertas podem ajudar a moldar formulações de alimentos de baixa caloria e a compreender os mecanismos neurais da alimentação excessiva.
Identificar esse tipo de comportamento ganha relevância ao pensarmos na personalização do plano de dieta e emagrecimento. Nos casos com essa maior sensibilidade a milkshakes e afins, os profissionais terão de ficar atentos e apostar ainda mais em estratégias que promovam a saciedade.
* Deborah Beranger é endocrinologista, com pós-graduação em endocrinologia e metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e MBA pela Fundação Getulio Vargas (FGV), além de fellow da Associação Europeia de Estudo da Obesidade