O desastre climático ocorrido no Rio Grande do Sul reforça e determina para quem ainda tinha qualquer tipo de dúvidas o quanto a agenda de proteção e preservação do meio ambiente é hoje fundamental nas estruturações da vida social e comunitária. Trouxe ainda à tona uma novíssima realidade que obrigatoriamente deveremos incluir nas nossas priorizações e nas ações individuais e coletivas: o enfrentamento e mitigação dos impactos dos extremos climáticos.
A despeito do consenso social de que o meio ambiente protegido e conservado é a fonte da nossa segurança existencial, nossas práticas sociais têm sido de profundo desprezo e desconsideração a essa verdade insofismável. Contraditoriamente ao nosso discurso, as ações têm se pautado por um profundo desrespeito e mesmo agressão ao meio ambiente, ampliando dessa forma nossa ação poluidora do solo, da água e do ar, do uso descontrolado dos combustíveis fósseis, das devastações incontidas das florestas e das intensas e descontroladas emissões dos gases de efeito estufa, motor do descontrole e transformação do desequilíbrio e instabilidade do clima.
O desastre, por outro lado, define de modo determinante que todos perdem e perderão com a passividade, a irresponsabilidade e a incúria. Ricos, pobres, homens e mulheres, patrões, empregados, a cidade, o Estado e o país. Mas, define de maneira contundente e incontornável quem serão aqueles que perderão mais e talvez para sempre: os pretos, pardos e os pobres, como muito bem ilustra a pesquisa Datafolha que aponta que 14% dos gaúchos brancos disseram ter sido expulsos de suas casa pela cheia contra 24% dos integrantes do outro grupo.
Com baixa capacidade financeira – entre um e dois salários mínimos – baixa escolaridade e habitando áreas inseguras e com riscos iminentes de acidentes dessa natureza, esses indivíduos tem pouca capacidade de se defender e quase nenhuma força para começar de novo. No nosso país esses indivíduos têm um só nome e destino geográfico, ou seja, são os negros e habitam as periferias e as franjas dos territórios.
São nessas localidades de elevada degradação ambiental e precária estrutura social, onde o estado e suas estruturas e equipamentos sociais nunca chegam ou são deficitários, que estão as habitações inseguras e fragilizadas desses indivíduos. E, são nelas ou no seu entorno onde são produzidas a subsistência para essas famílias. Do trabalho para terceiros, no interior das moradias, como costuras, produção de alimentos, artesanatos ou cuidados com menores ou idosos, por exemplo, aos pequenos empreendimentos que utilizam esse mesmo espaço e atuam a partir dele como são as pequenas borracharias, bares, mercadinhos, lojas e comércio de toda natureza gerando renda e mesmo pequenos empregos familiares.
Enchentes, deslizamentos e inundações são uma sentença de morte para esse público que, perdendo ou tendo destruídas suas moradias, perdem seu negócio, fonte de seu sustento e da sua condição econômica. Perdem lateralmente com o recolhimento em abrigos e a desorganização da rotina de vida, que limita a venda da sua força de trabalho no mercado. E, perdem mais ainda com a discriminação racial que limita o acesso ao mercado de trabalho em igualdade de condições.
Se já sabemos onde e sobre quem o desastre já está contratado é hora de agir antecipadamente para mitigar os impactos dos extremos e as perdas de vidas e patrimônio dos que nada têm e não terão condições de levantar-se mais uma vez para continuar a jornada. O impactos dos extremos climáticos é um flagelo a mais no nosso ambiente de desigualdade, mas também tem solução e pode ser mitigado com o combate ao racismo ambiental, mais conscientização da população e qualificação das cidades e dos indivíduos para enfrentamento e defesa contra os extremos climáticos.