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José Vicente

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Professor, advogado e militante do movimento negro, ele é o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, instituição pioneira de ensino no Brasil que ajudou a fundar em 2004.
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A mentira sobre a existência de um tribunal racial na USP

Na universidade, há coragem, compromisso, responsabilidade, respeito à cidadania e a disposição para construir um novo pacto civilizatório

Por José Vicente
Atualizado em 9 Maio 2024, 11h26 - Publicado em 12 mar 2024, 08h45
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  • O ódio racial, o racismo e a discriminação racial construídos por grande parte da elite econômica e politica branca do nosso país, das instituições por elas criadas e dos seus intelectuais e os construtores de narrativas foram o estratagema perverso que imputou a eles, brancos, o caráter exclusivo e privativo de sua superioridade e merecimento, e que erigiu um tribunal racial que julgou e condenou o negro como inferior. De forma arbitrária e unilateral, decretou o perdimento da sua humanidade, transformaram-nos em coisa, e, num espetáculo dantesco, comercializaram, compraram e venderam seus corpos em praça pública, origem de suas riquezas, privilégios e benesses.

    Depois, na República que deveriam ser de iguais, esse tribunal e seus asseclas urdiram a falsa teoria da degeneração da raça e alocaram a eugenia no coração da educação em plena constituição de 1934, data de fundação da Universidade de São Paulo. Forjou o mantra de que éramos uma democracia racial e tergiversou com ambiguidade e o cinismo no manifesto não somos racistas, publicado em páginas inteiras de jornais, contra as cotas para negros nas universidades, sob argumento sinistro de que raças não existem e o racismo era abstração, sendo legítimas apenas as cotas sociais. Isso quando a própria constituição cidadã reconhecia a existência e o caráter destrutivo do racismo, abrigava o conceito no seu corpo e a erigia de contravenção penal a crime inafiançável, imprescritível punido com pena de reclusão. Nem os generais da ditadura e nem o presidente Bolsonaro, radicalmente contra agenda identitária, foram tão insensíveis e desonestos, tendo ambos sancionados lei para combater o racismo e promover ações afirmativas e cotas raciais.

    É evidencia empírica que no Brasil negro pobre ou rico são trucidados pelo racismo. São seguidos por seguranças em shopping e supermercados, são violentados nas redes sociais e são recebidos com bananas e imitação de macacos nas praças esportivas. Foi contra este estado inconstitucional e imoral das coisas que forças vivas da sociedade se levantaram nos últimos vinte anos para combater o racismo e os racistas e construir soluções para destruição do estado de hierarquização e segregação racial dos espaços públicos e privados, e para a promoção da igualização, oportunização e participação justa e equitativa dos negros, através das politicas afirmativas e das cotas nas universidades e no emprego público e privado.

    É condição insuperável que para alcançar o objetivo de qualquer medida ou politica focal se defina o sujeito elegível, delimite os critérios de aferimento, estabeleça meios de garantir a lisura de sua aplicação e mecanismos que impeça sua fraude. Num país de miscigenados em que a autodeclaração define o pertencimento é logico e indispensável que essa análise e validação seja feita por um colegiado de pessoas qualificadas e com métodos os mais eficazes possíveis e é logico também que o pressuposto primeiro precisa e deve ser os fenótipos e sua leitura social. E, tem sido assim nos últimos vinte anos em todos os quadrantes.

    Primeiramente com a Universidade Zumbi dos Palmares em 2002 e depois Universidade de Brasília em 2004, todas as universidades públicas federais e estaduais e todas as universidades e instituições de ensino superior privada usuária do Prouni que tem recorte para negros instituíram e utilizam a verificação em órgãos colegiados. Com as cotas nos serviços públicos, magistratura, ministério publico, defensoria pública e até as forças armadas tem uma comissão de verificação. Todas as quase duzentas empresas que contratam negros para cargos de estágio, carreira, trainee ou conselho de administração, no país, possuem uma comissão de avaliação. Nesse exato momento o Tribunal de Justiça e a Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo acabam de instalar comissão de identificação, ou, heteroidentificação, tendo a última definido no seu concurso para procuradores em andamento 30% de cotas para negros.

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    A USP, última universidade a aderir às cotas no estado onde os negros representam 44% da população, tinha 2% de alunos e 4 professores negros entre 4000 há vinte anos. Hoje, sete anos depois das cotas, possui 40% de negros no seu corpo discente, 137 negros no seu corpo docente, 50 no pós-doutorado e acaba de instituir cotas para professores negros. Como se vê ficou mais diversa, inclui mais talentos, enriqueceu o debate acadêmico e seguramente está mais criativa e vívida em perfeita sintonia com sua comunidade social e os 44% de contribuintes negros que pagam na fila do pão o ICMS que mantém seus quase 9 bilhões de orçamento anual.

    Combater o racismo e os racistas e promover as ações que promovem inclusão, democratização, oportunização, acesso e valorização da nossa diversidade racial é ato de compromisso honesto, profundo e inabalável com a verdade, a justiça e o respeito à dignidade da pessoa humana. É cumprir integralmente um imperativo ético, elevar as grandezas da universidade, e como líder conduzir o processo de transformação e evolução social do seu tempo. Na USP não existe um tribunal racial: no lugar disso, há coragem, compromisso, responsabilidade, respeito à cidadania e a disposição para construir um novo pacto civilizatório. Viva a Universidade de São Paulo.

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