Tarcísio de Freitas, líder nas pesquisas para o governo de São Paulo, conseguiu atravessar uma rua paulistana para pisar numa casca de banana às vésperas da decisão nas urnas. O candidato se enrolou com o suposto envolvimento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no caso da morte em Paraisópolis, semana passada. A agência nega participação.
Áudio divulgado pelo repórter Artur Rodrigues, na Folha, mostra um integrante da sua equipe de campanha dizendo a um cinegrafista da Jovem Pan para apagar imagens da cena de um crime, ocorrido na segunda-feira 17 durante visita do candidato a uma ONG em Paraisópolis, bairro da capital.
Tarcísio de Freitas, ecoando Jair Bolsonaro, considerou o episódio um “ataque criminoso”, depois tentou limitá-lo a um “ato de intimidação, sem relação com política”.
Sobraram no chão o corpo estendido do suspeito morto a tiros, Felipe Silva de Lima, de 28 anos, e na prateleira da burocracia um inquérito policial classificado como sigiloso.
Faltam esclarecimentos ao público. Um deles sobre a arma desaparecida, supostamente usada pelo suspeito no “ataque” ou “intimidação” do candidato a governador. Outro sobre a identidade do atirador, aparentemente integrante da comitiva de Tarcísio de Freitas.
Mistério adicional é a motivação para apagar a gravação em vídeo, como registra o áudio revelado. Imagens são provas relevantes no mosaico da cena de crime e, sobretudo, das pessoas que nela estiveram.
Ontem, o candidato do Partido Republicanos admitiu a possibilidade de alguém, no clima de tensão, ter pedido para apagar o vídeo. É possível. Ele mostrou incômodo, no entanto, com perguntas de jornalistas sobre o caso. “Sensacionalismo”, desqualificou. Não é, por óbvio.
Houve um crime durante a campanha. Há um cadáver e restam enigmas passíveis de elucidação com ajuda de imagens, inclusive das câmeras corporais dos policiais militares — equipamento importante em casos assim, mas que, até poucos semanas atrás, o candidato dizia querer suprimir.
Por lei, é fundamental a identidade de quem matou o suspeito de arma desaparecida no “ataque” ou na “intimidação” à campanha de Tarcísio de Freitas ao governo paulista.
Além de necessária para sua adequada defesa pública, eventualmente um “excludente de ilicitude”, é fundamental para esclarecer seus vínculos com a equipe do candidato ou com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O candidato escorrega numa casa de banana ao se dizer aborrecido com o assunto, quando poderia aproveitar a chance para expor o caso à luz do sol, em detalhes, sem compromisso com erros.
No mínimo, ajudaria a afastar a suspeita de atuação irregular de agentes da Abin na sua campanha. Essa agência federal, vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, integra uma “comunidade de inteligência” cujas atividades há tempos escapam à fiscalização legislativa e, com frequência, extrapolam o controle democrático.
Engenheiro militar de formação e burocrata bem-sucedido em funções civis, Tarcísio de Freitas contribuiria com a lei e a ordem atestando a isenção da Abin. Basta demonstrar que ela não frequenta o grupo informal de segurança da sua campanha e, muito menos, que seus agentes tenham se envolvido na morte de Felipe Silva de Lima, o suspeito do “ataque” ou “intimidação” com arma desaparecida.
Há pouco, a agência enviou a seguinte nota oficial: “A Agência Brasileira de Inteligência repudia a divulgação de informações inverídicas que associam a Agência ao episódio ocorrido em Paraisópolis durante a campanha do candidato ao Governo de São Paulo Tarcísio de Freitas.
A ABIN tem, entre suas atribuições institucionais, a defesa do Estado Democrático de Direito e atua incessantemente para garantir os preceitos constitucionais. Nesse sentido, jamais estaria em seu escopo de atribuições qualquer tentativa de interferência no processo eleitoral, o que é repudiado veementemente pela ABIN.
A Agência esclarece que apenas um servidor da ABIN, que no momento está de Licença para Tratar de Interesses Particulares, não remunerada, acompanha o candidato Tarcísio de Freitas na campanha eleitoral.
O trabalho atual deste servidor não é desempenhado em nome da Agência, que não tem qualquer ingerência sobre a segurança da campanha do candidato. A ABIN reitera que não há nenhum servidor em exercício na Agência exercendo a função de segurança de candidatos a governos estaduais.
O policial citado nas reportagens sobre o caso de Paraisópolis, apontado como autor dos disparos, não faz parte do quadro de pessoal da ABIN. A Agência informa ainda que a Escola de Inteligência não realizou nenhum treinamento em Barbacena (MG) nos últimos anos.”