Boa notícia: o sistema bancário promete deixar de emprestar dinheiro a frigoríficos e abatedouros que se abastecem com o gado criado em áreas de crimes ambientais na Amazônia.
Indústrias e fornecedores têm os próximos trinta meses — até dezembro de 2025 — para adotar técnicas de rastreabilidade e de monitoramento em toda a cadeia de produção em propriedades acima de 100 hectares.
O crédito será condicionado à comprovação de origem dos rebanhos em terras regularizadas, sem desmatamento ilegal, embargo judicial ou sobrepostas em zonas de conservação ambiental.
Nessa autorregulamentação, tornam-se passíveis de veto e de punições operações financeiras com empresas urbanas e rurais delinquentes, sobretudo quando reconhecidas pelo histórico de exploração de mão de obra em regime idêntico à escravidão.
Exportadores de carnes protestam, receosos com o espírito da “lei” de balcão financeiro resumido por Walter Bagehot, jornalista britânico da revista The Economist no início do século XIX: “Quando você tem de provar que merece seu crédito, é porque ele desapareceu”. Reclamam equidade na mesa dos gerentes e sugerem extensão de protocolos ambientais a toda a clientela bancária, começando pelos setores de mineração e petróleo. Não é má ideia.
Um par de anos atrás, as três maiores casas bancárias privadas (Itaú, Bradesco e Santander) anunciaram um plano para contenção de danos na Amazônia via redução do fluxo de crédito a atividades de laminação de madeira, em serrarias, e de derrubada de mata para abertura de pasto ou de plantio.
Agora, já são duas dezenas de instituições financeiras voluntariamente submissas a uma arquitetura jurídica comum, para fiscalização mútua, em ambiente de negócios onde a autoridade do Estado tornou-se débil, rarefeita ou entrou em colapso no ritmo da liquefação do sistema político.
“Há algo de novo quando banqueiros se preocupam com riscos à reputação”
É mudança relevante capitaneada pelos cinco maiores bancos. O domínio do mercado permitiu-lhes encerrar 2022 somando 8,9 trilhões de reais em ativos, metade correspondente a créditos concedidos. Para comparação, equivale a um terço do orçamento federal neste ano e ultrapassa o valor da produção industrial brasileira. Lucraram 106,7 bilhões de reais, depois dos impostos — média de 263 milhões de reais por empregado, na calculadora dos sindicatos trabalhistas. Avançam na transformação da entidade setorial, Febraban, numa agência de autorregulação sem paralelo no setor privado.
É provável que essa política induza mudanças no comportamento da clientela, do campo ao pátio de contêineres nos portos. As maiores empresas do agronegócio já adotam práticas de controle ambiental e de modernidade nas relações trabalhistas — são exceções os episódios de primitivismo explícito, como no caso recente das vinícolas de Bento Gonçalves (RS) que azedou a safra gaúcha com trabalho escravo.
No entanto, o agro virou ogro dentro e fora do país. Em parte, porque os maiores produtores e comercializadores escolheram caminho oposto ao dos banqueiros. Ilharam-se, despreocupados com a imagem pública de um setor com alta concentração de capital em poucas empresas e bem-sucedido na revolução tecnológica das últimas quatro décadas, que lhes garantiu condições de competitividade invejáveis à concorrência global, com três safras anuais e recordes sucessivos de produtividade.
O desmazelo levou à incúria, e o agro virou ogro. Dentro e fora do país, é visto como celeiro de trogloditas desmatadores da Amazônia, a grande reserva de floresta tropical que sobrou no planeta. Eles existem e são reconhecida minoria — quase sempre tipos destemidos, proscritos ou que estão em fuga de si. Conseguiram assumir a posição de porta-vozes do setor em militância permanente pela lavoura arcaica, incoerente com o espírito da expansão capitalista na era da inteligência artificial.
É notável que os bancos, entidades conservadoras por natureza, estejam avançando num projeto compartilhado, com laivos de modernidade e essencialmente crítico em relação aos clientes do agronegócio, perdulários com a própria imagem.
Há algo de novo no ar quando banqueiros passam a se preocupar com os riscos à própria reputação em negócios poluidores do ambiente. Reagem à pressão de uma sociedade que se move em silêncio e à margem da estrutura política convencional, cada dia menos representativa.
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Publicado em VEJA de 7 de junho de 2023, edição nº 2844