Jair Bolsonaro viajou ontem a São Gabriel da Cachoeira, cidade fortificada a 860 km de Manaus, na área de fronteira com a Colômbia e a Venezuela.
Bolsonaro foi inaugurar uma ponte erguida pelo Exército, que vai facilitar a vida na comunidade indígena Balaio — oito em cada dez habitantes de São Gabriel são índios.
Enquanto o presidente celebrava a entrega de um pontilhão de madeira de cerca de 18 metros, o Tribunal de Contas da União confirmava: 11.286 obras financiadas pela União, que estavam paralisadas há tempos, simplesmente desapareceram dos bancos de dados do governo federal nos últimos dois anos.
Na última contagem, em 2018, existiam 38.412 obras inacabadas. Elas representavam 37% de todos os projetos federais nos Estados. Somavam R$ 324 bilhões.
Agora, o tribunal de contas só conseguiu localizar 27.126 obras interrompidas nos bancos de dados federais.
Das mais de onze mil obras sumidas dos bancos de dados, 2.268 são financiadas diretamente por um banco público, a Caixa Econômica Federal. As demais estão no Orçamento da União.
A maior diferença está no número de contratos de obras do antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)— marca criada nos governos Lula e Dilma Rousseff para embalar e inflar um agrupamento de projetos no orçamento federal.
Em 2018 eram 10.666 contratos de obras do PAC paralisadas. Representavam mais da metade dos projetos inacabados recenseados na época e somavam investimentos federais de R$ 180 bilhões.
Agora só foi possível localizar registros de 3.824 contratos para os empreendimentos interrompidos do PAC. Faltam dados sobre 6.842 obras.
É óbvio que todos esses projetos inacabados não foram concluídos em dois anos de governo Bolsonaro, numa etapa de agonia fiscal e de profunda recessão econômica, agravada pela crise pandêmica. Um retrato da situação está na evolução do Produto Interno Bruto: 1,1% em 2019 e queda de 4,1% no ano passado.
A explicação mais plausível está num grave problema gerencial: aparentemente, o governo perdeu o controle do cadastro das obras federais e não sabe quantos e quais daqueles projetos interrompidos até 2018 já foram concluídos ou continuam paralisados.
O TCU pediu informações ao Ministério da Economia. Recebeu amostra de dados sobre os projetos federais mais relevantes, os antigamente agrupados no PAC.
Na auditoria constatou-se a inexistência de dados dos seguintes órgãos: Ministérios da Cidadania; da Infraestrutura; das Minas e Energia; da Educação; da Saúde; do Turismo; dos departamentos de Obras Hídricas; Obras contra Seca; Projetos Especiais; da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), e, das empresas estatais Infraero e Codevasf.
Quando o tribunal de contas pediu esclarecimentos sobre as obras desaparecidas dos bancos de dados, a Economia sugeriu que as perguntas fossem “endereçadas às respectivas pastas setoriais”.
É como se uma grande empresa construtora tivesse perdido o controle da sua carteira de obras e soubesse identificar quais, onde, como e porque seus empreendimentos estão inacabados, paralisados ou foram concluídos.
Sem dados confiáveis sobre as obras federais, não há controle possível sobre o uso do dinheiro público.