— Senhores, pelo amor de Deus! Eu vou fazer um apelo… — gritava ao microfone o presidente da CPMI do Golpe, deputado Arthur Maia, eleito pelo União Brasil da Bahia, enquanto disparava uma campainha.
— Ele cuspiu em mim, senhor presidente. E disse: “Cuspirei de novo”… — reclamava no plenário o deputado Marco Feliciano, do Partido Liberal de São Paulo.
“Tumulto no recinto”, registrou a taquigrafia.
— Não, espera… Pelo amor de Deus! Pelo amor de Deus! Senhores deputados… Senhores deputados…
— o presidente da CPMI, de novo, perdia o controle da comissão, atropelado pelo tumulto organizado no plenário.
Maia já atravessou mais da metade dos 59 anos de vida na política. Foi prefeito, vereador, deputado estadual e está no quarto mandato na Câmara. Nos últimos cem dias, esgota-se numa batalha inglória no plenário da CPMI do Golpe: tenta preservar sua autoridade de presidente, mas ela segue em derretimento sob os holofotes:
— Esta sessão — queixou-se em meio ao tumulto da semana passada — realmente está superando toda e qualquer expectativa no que diz respeito a uma sessão violenta, desnecessariamente violenta. Realmente, não é possível a gente trabalhar com esse nível de exacerbação de ânimos.
Persistia na tentativa inútil de superar a gritaria nas bancadas do governo e da oposição: — Olha, já é a terceira ou a quarta vez que nós, hoje, temos esse tipo de tumulto aqui na CPMI. Isso não é bom para o Parlamento. Eu ressalto, mais uma vez, que isso não é bom para o Parlamento…
— Você acha que eu vou ter medo de você, Rogério Correia? — Cleiton Gontijo de Azevedo, mais conhecido como Cleitinho, senador pelo Republicanos de Minas, confrontava o adversário Rogério Correia, senador pelo PT mineiro. — Então, senta aí e escuta — retrucou Correia, fora do microfone, mas em tom alto bastante para ser ouvido em meio à desordem.
— Meu Deus! Meu Deus! — Maia apelou, com ironia. — Quero pedir aqui ao meu senhor Bom Jesus da Lapa, lá de onde eu fui prefeito, ao meu senhor do Bonfim, lá na Colina Sagrada da Bahia, que abençoe esta Comissão…
Minutos depois, foi surpreendido pelo deputado gaúcho Mauricio Marcon, do Podemos: — Presidente, eu vou alertá-lo: o senhor vai ser o pizzaiolo dessa pizza que está sendo gestada nesta CPMI. O seu nome, presidente, vai entrar para história como alguém que foi o pizzaiolo de uma pizza aqui, na CPMI. O senhor… Infelizmente… Olha, gosto do senhor, mas o senhor está fazendo um papel triste para a sua reputação, porque o senhor está deixando esta CPMI virar uma palhaçada… O senhor vai fazer alguma coisa ou esta CPMI será pautada por essa palhaçada que desrespeita este Congresso?
Não era a primeira vez que alguém mencionava o domínio do burlesco naquele ambiente conflituoso. — O nível é muito baixo, eu vou sair… — anunciara o senador Jorge Kajuru, do PSDB de Goiás. — Eu vou sair desse circo, porque o nível está muito baixo.
Maia irritou-se com o deputado Marcon, a quem chamou de “Macron” [confundindo-se com o sobrenome do presidente da França].
— Se vossas excelências quiserem [dirigiu-se à bancada da oposição] não tem problema… Eu estou tentando construir um acordo… Eu me retiro do acordo e ‘boto’ todos os requerimentos que estão aí — todos, 800, 600, todos — para votar na próxima reunião [hoje, 29/8]. E o resultado vai ser o resultado da CPMI… Agora, eu tenho tentado construir um acordo, e não é justo e não aceito que vossa excelência venha para cá, com essa palavra [pizzaiolo] apenas para uma promoção em mídia social, para dizer que eu estou aqui tentando fazer algum tipo de combinação para evitar ou impedir o resultado da CPMI, transformado em pizzaiolo, transformando esta CPMI em uma pizza!
Prosseguiu, exaltado: — Não tem problema, deputado! Eu colocarei na próxima reunião todos [os requerimentos para votação]! Está autorizado! Na próxima reunião, votaremos todos os requerimentos — todos em votação! O resultado sabe qual será, deputado, sem acordo? Todos os requerimentos da oposição — todos! — serão rejeitados, todos os do governo serão aprovados, porque para cada membro da oposição nesta CPMI o governo tem três.
Maia se mostra aturdido com as cobranças da oposição, dentro e fora do tumulto organizado no plenário. Nesta segunda-feira (28/8) resolveu atender integrantes da ala extremista, composta por aliados de Jair Bolsonaro, e assinou um “Ato Nº 2” impondo censura ao trabalho de jornalistas dentro e fora do plenário da CPMI do Golpe.
Entre outras coisas, tenta proibir a “captura de imagens” de agentes públicos num ambiente público (o Congresso), enquanto exercem uma função pública e remunerada pelo público, a quem têm o dever de prestar contas públicas.
Maia emerge do seu “Ato Nº 2”, um texto de 890 palavras, como parlamentar extravagante, do tipo que tenta investir-se no exercício do Poder Constituinte, legitimando-se por si mesmo.
Não há quem não cometa erros. Na política grandes erros costumam ser mais frequentes porque, como dizia Tancredo Neves, o poder ilude mais que o amor.