Os protestos de ontem em 24 estados, contra a escassez de vacinas e o conjunto da obra do governo Jair Bolsonaro, só não foram pacíficos em Pernambuco, governado por Paulo Câmara (PSB).
As imagens da multidão animada e aglomerada num desfile de risco pandêmico pela avenida Paulista, em São Paulo, contrastaram com as da repressão nas ruas centrais do Recife, onde a Polícia Militar fez correr sangue de manifestantes.
Feridas por balas de borracha no rosto, duas pessoas acabaram hospitalizadas, em risco de perda de visão.
É notável que, até então, os 15 mil soldados da PM pernambucana não haviam atuado dessa forma na repressão a qualquer ato público expressivo realizado durante a pandemia. Inclusive, os de apoio a Bolsonaro.
O PSB de Paulo Câmara tenta se construir como alternativa partidária relevante no jogo eleitoral do próximo ano. Pode ter tropeçado nesse episódio.
Isso porque o governo estadual, esteio do partido, terminou o sábado sem responder objetivamente sobre a gênese da crise: se autorizou ou não a repressão policial nas ruas.
Pode até parecer trivial, mas não é.
Se o governador Paulo Câmara ordenou, evitou assumir as consequências, dissimulando-as no “afastamento” dos policiais envolvidos.
Nessa hipótese, revelou-se fraco e incapaz de conduzir — sem reprimir — múltiplas vozes de oposição canalizadas num raro protesto contra o governo federal em meio à pandemia. E, no caso, sequer havia multidão, apenas um grupo atravessando uma das pontes da cidade composta por três ilhas fluviais.
Se Paulo Câmara não ordenou a violenta repressão, ele e o PSB estão diante de um outro problema grave: perderam o controle da força policial-militar, ainda que episodicamente, e agora enfrentam uma crise de potencial perigoso para os planos eleitorais do governador e do seu partido.
Nesse caso, se confirmado, Pernambuco passa ao topo da lista de governos estaduais que não têm controle efetivo sobre a Polícia Militar, a exemplo do Rio de Janeiro e do Ceará.
No Rio, a divisão é mais antiga e redundou na proliferação de milícias, mais recentemente alinhadas aos ideais autoritários que turbinaram a ascensão do bolsonarismo.
Paulo Câmara e o PSB deveriam explicar o que aconteceu ontem no Recife. Nessas situações, o tempo perdido pode ser politicamente irrecuperável para quem sonha jogar na vanguarda da oposição.