Ética na medicina é tema atraente para o ministro da Saúde Marcelo Queiroga, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Doze anos atrás, ele começou — e ainda não terminou —, um doutorado na Universidade do Porto, em Portugal, na área de Bioética — neologismo criado na fusão das palavras gregas bios, relativo à vida biológica, e ethos, referencial de ética em sociedade.
Por ironia, ontem, Queiroga foi denunciado por violação de oito dos princípios que fundamentam o Código de Ética Médica.
Treze médicos, ex-presidentes do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado São Paulo, requisitaram a abertura de um processo ético-profissional no Conselho Federal de Medicina contra o ministro da Saúde. Motivo: “flagrante desrespeito” à Ciência.
Para eles, o cardiologista Queiroga trocou o jaleco pela gravata de agente político alinhando-se a Jair Bolsonaro, confrontando normas éticas do exercício da medicina. Passou a atender “acima de tudo, aos interesses políticos e ideológicos do governo, e mais especialmente, do presidente da República.”
Um médico-ministro, argumentam, não pode atropelar o Código de Ética Médica. A Covid-19 já matou mais de três centenas de crianças na faixa de cinco a onze anos de idade. E Queiroga teria desrespeitado o conhecimento científico ao impor obstáculos à vacinação contra a Covid-19 para crianças de cinco a onze anos de idade, com questionamentos sobre segurança da vacina — “uma inverdade que contraria absolutamente ao que se observou em milhões de doses já aplicadas nessa faixa etária em outros países”.
“Isto, por si” — acrescentam — “coloca o médico em contraposição à sua obrigação ética de utilizar o melhor do conhecimento e da ciência para beneficiar o indivíduo e a sociedade. Não se sustenta qualquer preocupação relevante com a segurança (conforme já assegurou a Anvisa, órgão competente para tanto) e demonstra desconsideração do profissional com o conhecimento existente.”
Inexiste um “dilema de Queiroga”, no qual a opção política do ministro poderia prevalecer sobre a do médico. “Não cabe a justificativa de estar no exercício de uma função de agente público”, dizem, para infrações éticas. “Os ditames hierárquicos não são razão suficiente para transgredir princípios do exercício da medicina. Antes de ministro, [Queiroga] é médico. Como todos nós, está submetido aos mesmos ditames éticos, que devem ser assumidos e confirmados em seu juramento médico.”
Em outubro, quando a CPI da Pandemia acusou o presidente e o ministro da Saúde de crimes contra a Humanidade, Queiroga estava em Roma acompanhando Bolsonaro numa reunião com Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Sou o único chefe de Estado do mundo que está sendo investigado, acusado de genocida. É a política, né?” — ironizou Bolsonaro na conversa com o chefe da OMS.
Queiroga zombou do trabalho parlamentar no Senado e completou, rindo: “Eu também. Vou com ele para Haia. Vamos passear lá.”
É provável que, antes de viajar 9 mil quilômetros para “passear” em Haia, ele tenha de se defender em Brasília, no Conselho Federal de Medicina, cuja sede fica a apenas 2.500 metros de distância do seu gabinete no Ministério da Saúde.