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Lira usou a Constituição em barganha na Câmara para ofensiva contra o STF

Ele deu aval a um projeto considerado inconstitucional para pressionar pela liberação de recursos bloqueados de emendas parlamentares sem transparência

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 out 2024, 08h00

Foi de Arthur Lira, presidente da Câmara, o aval para andamento de uma proposta de emenda constitucional que permite ao Congresso julgar e suspender decisões do Supremo Tribunal Federal.

O deputado Lira pode ser criticado por quase tudo, só não pode ser acusado de ignorância da Constituição.

Sob a sua liderança, a Carta de 1988 foi convertida numa espécie de periódico. Tem sido republicada a cada 40 dias com mudanças estruturais.

Contam-se 26 alterações no texto constitucional desde que chegou ao comando da Câmara, há três anos e meio. Nem todas as emendas, por óbvio, foram iniciativa dos deputados, boa parte teve origem no governo e no Senado. Mas em todas Lira foi decisivo — ele tem poder sobre a pauta do plenário e das comissões, além do mando no “colégio de líderes”, o clube fechado onde as decisões são tomadas.

Na prática, o que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara fez, nesta quarta-feira (9/10), foi declarar admissível para votação a ideia de transformar o Congresso no equivalente a um poder moderador da República.

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Levou-se ao extremo a ideia de que é possível desconhecer aquilo que a Constituição veta de forma objetiva: (Artigo 60) – “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I. a forma federativa de Estado; II. o voto direto, secreto, universal e periódico; III. a separação dos Poderes; IV. os direitos e garantias individuais.” No caso, trata-se da separação dos Poderes.

Como Lira sabe, não existe vírgula ao acaso no texto constitucional. A proibição, na forma de cláusula pétrea, de decisão parlamentar em qualquer nível sobre a autonomia dos Poderes tem raízes na traumática experiência do Legislativo durante a ditadura de Getúlio Vargas.

No próximo 10 de novembro completa-se 87 anos da edição da Constituição do Estado Novo, usada por Vargas para impor o regime ditatorial, com suspensão de direitos civis, cassações e prisões de parlamentares e juízes, além do fechamento das instituições.

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O texto foi preparado durante meses pelo jurista Francisco Campos, o Chico Ciência de Dores do Indaiá (MG). Entre outras coisas, estabelecia que, se e quando retomadas as atividades, o Judiciário estaria limitado até para questionar atos presidenciais: “Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República.”

Lira costuma lembrar que é um democrata. Restariam, naturalmente, dúvidas sobre sua motivação para dar andamento a um projeto reconhecido como inconstitucional.

Outro Chico, de sobrenome Alencar, historiador e deputado federal pelo Psol do Rio, arriscou um palpite no plenário da Comissão de Constituição e Justiça: o motivo de Lira é monetário, os recursos de emendas parlamentares ao orçamento bloqueados pelo Supremo por absoluta falta de transparência nas transferências à prefeituras.

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“O presidente Arthur Lira”, disse, “colocou a proposta na pauta e abriu a possibilidade de discussão nesta comissão por mero espírito de vingança, em função da decisão do ministro [do Supremo] Flávio Dino sobre a farra das emendas dos parlamentares, do orçamento secreto, da fidelização de currais eleitorais, da corrupção eleitoral que se verificou agora, na eleição municipal.”

Acrescentou: “O que essa proposta de emenda constitucional pretende é uma interferência absolutamente indevida do Poder Legislativo, com maioria eventual, no Poder Judiciário. Independência, harmonia e diálogo entre os Três Poderes ficam jogados de lado. É, sim, revanche, vingança, um modo de má prática legislativa de reagir a um Judiciário que, mesmo cometendo equívocos aqui e ali, tem decisões, inclusive, monocráticas muito corretas, como, por exemplo, esse freio de arrumação na farra das emendas parlamentares.”

Por essa interpretação, predominante entre deputados, Lira usou a Constituição numa barganha na Câmara para ofensiva contra o STF. Deu sinal verde ao projeto de um grupo parlamentar minoritário, aparentemente interessado em conflito institucional, para pressionar o STF a liberar os recursos bloqueados, e ampliar sua influência na própria sucessão na presidência da Câmara, em fevereiro.

Por essa lógica, Lira não deixou de ser um democrata — seria apenas uma questão de dinheiro.

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