O país chega ao 17º dia sob ataque às redes digitais da administração pública, com risco evidentes para toda população e empresas. No entanto, o governo, talvez por conveniências eleitorais, continua a manter eloquente silêncio sobre onde, quando, como e porque aconteceu a violação dos bancos de dados federais.
Não há transparência, não se sabe o que ocorreu e a dimensão dos impactos para governo e sociedade na ofensiva que imobilizou sistemas do Ministério da Saúde ao da Economia, da empresa estatal Correios à Polícia Federal.
Sem explicações oficiais, públicas, coerentes e consistentes, proliferam versões. É notável que sejam convergentes num ponto: invasores extraíram do Ministério da Saúde uma “tabela” com credenciais legítimas para acesso a toda rede da administração pública federal.
Presidente e ministros seguem em férias, mas as consequências observadas, principalmente na Saúde, indicam que houve um sério abalo na infraestrutura de informações.
Evidencia um fracasso, com as digitais de dois generais da reserva no centro do poder: Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, e Walter Braga Netto, ministro da Defesa.
Eles são responsáveis pela formulação e execução da política de segurança nacional cibernética, que é operada de forma centralizada, emoldurada na retórica militarista, mas na prática sequer entrou na lista de prioridades governamentais.
Seis meses antes da pandemia chegar ao país, em agosto de 2019, Jair Bolsonaro mandou ao Congresso um Plano Plurianual para o período 2020-2023, cumprindo uma exigência constitucional.
É calhamaço descritivo das diretrizes, objetivos e metas de governo, mas nele não havia sequer previsão de projetos para implantação e/ou modernização do sistema nacional de defesa cibernética.
Na época, o senador Esperidião Amim (PP-SC) protestou durante uma sessão da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. “Parece brincadeira, mas é verdade: não há nem mesmo menção à defesa cibernética”, disse numa sintética avaliação do que o governo estava fazendo, ou pretendia fazer.
Em contrapartida, o governo de retórica militarista mantinha a aposta nuclear, com investimento médio anual estimado em um bilhão de dólares (R$ 5,7 bilhões pelo câmbio atual).
Pouco depois, o governo pediu ao Congresso uma reserva de R$ 19 milhões no orçamento para “Defesa Cibernética” A comissão do Senado achou pouco e ofereceu R$ 60 milhões, via emendas parlamentares. A resposta surpreendeu os senadores: aceitou-se a oferta, mas pediu-se que o dinheiro fosse destinado ao programa de aviões de combate da Aeronáutica.
Desde 2013, sabia-se que O Brasil estava totalmente vulnerável à guerra cibernética. Arquivos da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, vazados por Edward Snowden para o jornal O Globo, mostraram que os setores público e privado brasileiros estavam sob espionagem contínua há pelo menos uma década, com todo o tráfego nacional de dados e padrões de criptografia sob controle americano.
Bolsonaro e os ministros Augusto Heleno e Braga Netto passaram os últimos três anos no poder acenando com a “ameaça comunista”, sepultada 32 anos atrás sob os escombros do Muro de Berlim. O trio foi capaz até de promover uma ofensiva política contra o voto eletrônico, adequada às suas propostas obscuras para o regime democrático. Esqueceram do principal, trabalhar para governar.
O resultado está aí: a segurança nacional foi violada, o governo se mostra absolutamente perdido no apagão de dados e incapaz de apresentar à sociedade um relato preciso, coerente e consistente sobre como empresas e cidadãos foram, estão ou continuam expostos numa das maiores redes de internet do planeta, com mais de 6 mil provedores de acesso — sete de cada dez têm menos de 1,5 mil clientes.
O Brasil está sob ataque há 17 dias. A cada minuto, o silêncio do governo fica ainda mais eloquente.